Depois da Ressaca: Os Efeitos Invisíveis do Álcool no Seu Cérebro
- Lidi Garcia
- 11 de abr.
- 4 min de leitura

Pesquisadores descobriram que o consumo crônico de álcool pode prejudicar a capacidade do cérebro de tomar boas decisões, especialmente em situações de incerteza. Em testes com ratos, machos mostraram mais dificuldades para se adaptar e explorar novas opções após a exposição ao álcool, enquanto as fêmeas foram menos afetadas. Essas mudanças no comportamento estão ligadas a alterações na atividade de uma área do cérebro chamada estriado, que é importante para avaliar recompensas e planejar ações.
A tomada de decisões, especialmente quando escolhemos a melhor entre várias opções, é um processo muito importante para o nosso dia a dia e depende de áreas específicas do cérebro, como o estriado. Essa região ajuda a avaliar recompensas e a definir o valor de cada escolha.
No entanto, quando o cérebro é exposto ao álcool por longos períodos, como acontece em casos de alcoolismo, essas funções podem ser prejudicadas, tanto em humanos quanto em animais de laboratório, como os ratos.
Pesquisas anteriores já mostraram que o álcool pode alterar o funcionamento de células do cérebro e enfraquecer as conexões neurais necessárias para pensar e decidir, especialmente numa parte do estriado chamada estriado dorsomedial (DMS).
Essa região é essencial para aprendermos com recompensas e planejarmos ações direcionadas a objetivos. Apesar disso, ainda se sabe pouco sobre como exatamente o álcool modifica esses processos de decisão.

Outro fator importante é que o álcool não afeta homens e mulheres da mesma maneira. Estudos mostram que existem diferenças no consumo de álcool, nos riscos de desenvolver dependência e até na forma como o cérebro reage ao álcool entre os sexos.
Além disso, homens e mulheres também se comportam de maneira diferente em tarefas que envolvem aprender a obter recompensas. Por isso, entender como o álcool altera o funcionamento cerebral de forma diferente em machos e fêmeas é essencial para desenvolver tratamentos mais eficazes para problemas relacionados ao álcool.

Para investigar essas questões, os cientistas da Johns Hopkins University, USA, treinaram ratos machos e fêmeas, que haviam sido expostos ao álcool por um longo período, em uma tarefa chamada "aprendizagem de reversão probabilística dinâmica" (dynaPRL).
Nessa tarefa, os ratos precisavam se adaptar constantemente a mudanças nas chances de receber uma recompensa, em um ambiente que simulava incertezas, parecido com situações reais onde as condições mudam sem aviso.
Comparado a tarefas mais simples, o dynaPRL aumenta o nível de imprevisibilidade, exigindo maior flexibilidade mental dos animais.

Aprendizagem de Reversão Probabilística Dinâmica: Os cientistas usaram uma tela sensível ao toque para treinar camundongos em testes de escolha e aprendizado. Primeiro, eles associaram imagens na tela a comida. Depois, os camundongos tiveram que tocar as imagens para ganhar a recompensa. Em seguida, precisaram aprender a escolher entre duas imagens diferentes, uma dava comida e a outra não. No final, as regras mudaram: a imagem que antes não dava comida passou a ser a correta. Durante tudo isso, a posição das imagens na tela mudava para não criar padrões fáceis de seguir. Fonte: Jonathan L Brigman, DOI: 10.3389/neuro.01.013.2010
Os resultados mostraram que o álcool afetou o comportamento dos ratos, mas de formas diferentes entre machos e fêmeas.
Ratos machos expostos ao álcool apresentaram dificuldades maiores em se adaptar a mudanças nas recompensas e mostraram um comportamento de exploração alterado, ou seja, tinham mais dificuldade em experimentar novas opções para tentar encontrar melhores resultados. Já as fêmeas mostraram muito menos impacto no comportamento, mesmo após a exposição ao álcool.
Quando os pesquisadores analisaram o cérebro dos animais, focando na atividade dos neurônios do estriado dorsomedial, observaram mudanças importantes. Nos ratos machos que haviam consumido álcool, a atividade neural relacionada a fazer escolhas e calcular o valor de diferentes opções estava reduzida, enquanto a resposta do cérebro às recompensas recebidas estava aumentada.

Isso significa que, nos machos, o álcool fez o cérebro reagir de forma exagerada quando eles recebiam uma recompensa, mas deixou o sistema de tomada de decisão mais "cego" para as melhores estratégias a seguir. Por outro lado, nas fêmeas, as alterações na atividade neural foram diferentes e menos prejudiciais, sugerindo que o cérebro feminino pode ser mais resistente a esses efeitos específicos do álcool.
Esses achados mostram que o consumo crônico de álcool durante a vida altera profundamente a forma como o cérebro processa informações para tomar decisões baseadas em recompensas. Além disso, essas alterações não são iguais em machos e fêmeas, reforçando a necessidade de considerar as diferenças entre sexos nas pesquisas sobre o impacto do álcool no cérebro.
Entender essas mudanças pode ajudar no futuro a desenvolver tratamentos mais direcionados para recuperar as funções cognitivas afetadas pelo abuso de álcool.
LEIA MAIS:
Chronic ethanol exposure produces sex-dependent impairments in value computations in the striatum
Yifeng Cheng, Robin Magnard, Angela J. Langdon, Daeyeol Lee and Patricia H. Janak
Science Advances. 2 Apr 2025 Vol 11, Issue 14
DOI: 10.1126/sciadv.adt0200
Abstract:
Value-based decision-making relies on the striatum, where neural plasticity can be altered by chronic ethanol (EtOH) exposure, but the effects of such plasticity on striatal neural dynamics during decision-making remain unclear. This study investigated the long-term impacts of EtOH on reward-driven decision-making and striatal neurocomputations in male and female rats using a dynamic probabilistic reversal learning task. Following a prolonged withdrawal period, EtOH-exposed male rats exhibited deficits in adaptability and exploratory behavior, with aberrant outcome-driven value updating that heightened preference for chosen action. These behavioral changes were linked to altered neural activity in the dorsomedial striatum (DMS), where EtOH increased outcome-related encoding and decreased choice-related encoding. In contrast, female rats showed minimal behavioral changes with distinct EtOH-evoked alterations of neural activity, revealing significant sex differences in the impact of chronic EtOH. Our findings underscore the impact of chronic EtOH exposure on adaptive decision-making, revealing enduring changes in neurocomputational processes in the striatum underlying cognitive deficits that differ by sex.
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