top of page

Cosméticos e produtos de higiene podem acelerar a puberdade em meninas


Resumo:

Certos produtos quimicos sinteticos presentes em cosmeticos, produtos de higiene e limpeza sao conhecidos por serem desreguladores ou disruptores endocrinos (DE). Novas pesquisas revelam que meninas expostas a esses disruptores podem ter puberdade precoce, o que está ligado a vários riscos à saúde. Esses produtos químicos, incluindo o almíscar (musk ambrette), podem estimular receptores-chave no cérebro que controlam a puberdade. Isso sugere que a exposição a essas substâncias pode ativar prematuramente o sistema reprodutivo em crianças.


Nos últimos anos, observou-se uma tendência global de desenvolvimento precoce das mamas (chamado de telarca) em meninas. Esse fenômeno tem implicações importantes para a saúde, já que a puberdade precoce está associada a diversos problemas de saúde, como dificuldades psicossociais, obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e até um maior risco de desenvolver câncer de mama no futuro.


Normalmente, o início da puberdade é influenciado tanto pela genética quanto pelo ambiente. No entanto, o ritmo acelerado dessa mudança nas últimas décadas sugere que os fatores ambientais podem estar desempenhando um papel maior do que a genética, já que a evolução genética ocorre muito mais lentamente. Para entender melhor essa relação, vários estudos têm sido conduzidos, incluindo uma pesquisa recente publicada pela revista Endocrinology.


Nesse estudo, realizado por cientistas do National Institutes of Health e da Northwestern University, os pesquisadores investigaram a influência de fatores ambientais no início precoce da puberdade. Especificamente, eles analisaram a presença de produtos químicos que podem interferir no sistema endócrino – conhecidos como desreguladores endócrinos.


Esses químicos estão presentes em muitos produtos do cotidiano, como plásticos, cosméticos e alimentos processados, e podem alterar o equilíbrio hormonal do corpo, contribuindo para o desenvolvimento precoce de características sexuais, como o surgimento das mamas.

A puberdade é controlada por uma rede de neurônios que liberam um hormônio chamado GnRH (hormônio liberador de gonadotrofina). Esses neurônios estão localizados em uma área específica do cérebro chamada núcleo arqueado (ARC), que faz parte do hipotálamo, uma região que regula várias funções importantes do corpo.


Quando o GnRH é liberado de forma rítmica, ele estimula uma glândula chamada hipófise, localizada na base do cérebro, a liberar dois hormônios: o hormônio folículo-estimulante (FSH) e o hormônio luteinizante (LH). Esses hormônios, por sua vez, sinalizam para os ovários (nas meninas) e testículos (nos meninos) começarem a produzir os hormônios sexuais, estrogênio e testosterona. Esses hormônios são os responsáveis pelas mudanças físicas da puberdade, como o crescimento dos seios, menstruação, ou crescimento de pelos no corpo.


No entanto, os detalhes exatos sobre como o cérebro "decide" iniciar a puberdade ainda são um mistério. Uma substância chamada kisspeptina, que também é produzida no cérebro, é conhecida por ser uma importante ativadora do GnRH.


Curiosamente, os neurônios que produzem kisspeptina possuem receptores para hormônios como glicocorticoides (relacionados ao estresse), leptina (que está ligada ao nível de gordura corporal) e insulina (que controla o açúcar no sangue). Isso sugere que o estado emocional e o nível de nutrição podem influenciar o momento em que a puberdade começa.


Por isso, há uma hipótese de que esses neurônios podem ser influenciados por fatores externos, como estresse ou exposição a substâncias químicas no ambiente, o que pode explicar porque algumas meninas estão começando a puberdade mais cedo do que o normal.

Para superar as limitações dos estudos tradicionais com crianças, os pesquisadores adotaram uma técnica chamada triagem quantitativa de alto rendimento (qHTS) para identificar substâncias ambientais que podem ativar o sistema reprodutivo do cérebro. Eles usaram células renais humanas embrionárias (HEK293) modificadas geneticamente para incluir receptores de kisspeptina (KISS1R) e do hormônio GnRH (GnRHR), ambos marcados com fluorescência para facilitar a visualização. 

Além disso, células do hipotálamo de ratos adultos e células derivadas de neurônios humanos criadas a partir de células-tronco foram usadas no estudo, assim como uma linhagem de células tumorais de ratos da hipófise. Para experimentos com organismos vivos, utilizaram larvas de peixe-zebra.


O estudo testou substâncias químicas da biblioteca Tox21, que contém cerca de 10.000 compostos, incluindo medicamentos e substâncias ambientais, sendo 8.312 deles únicos.


Os testes usaram uma técnica que mede a liberação de cálcio (Ca2+) nas células, gerando emissão de luz ou fluorescência, para verificar se essas substâncias poderiam ativar os receptores KISS1R e GnRHR ou ambos, funcionando como potenciais ativadores do sistema reprodutivo.


Após a triagem inicial, 45 compostos foram identificados como potenciais ativadores dos receptores GnRHR e KISS1R. Alguns deles se ligaram apenas ao GnRHR (como a metacolina), outros apenas ao KISS1R (como o almíscar/musk ambrette), e outros agiram em ambos os receptores (como a mefloquina).


O próximo passo foi verificar se esses compostos, além de se ligarem aos receptores, eram capazes de ativar as células e fazer com que elas desempenhassem suas funções.


Para isso, os pesquisadores testaram se os compostos estimulavam a fosforilação de uma proteína kinase ERK (p-ERK), um sinal de que a célula está ativando suas funções internas.


Dos compostos testados, apenas o almíscar (musk ambrette) conseguiu tanto se ligar aos receptores quanto estimular as células a liberar kisspeptina, além de ativar a expressão do gene Gnrh1 em células do hipotálamo de ratos (e o GNRH1 em células humanas) e o gene Gnrh3 em larvas de peixe-zebra. 

A Figura mostra que o tratamento com almíscar (Musk ambrette) induz efeitos dose-dependentes em neurônios GnRH3 em peixes-zebra em desenvolvimento. https://doi.org/10.1210/endocr/bqae103


Esses resultados indicam que o almíscar (musk ambrette) pode rapidamente estimular a produção de GnRH, da mesma forma que a kisspeptina intravenosa provoca um aumento rápido nos níveis do hormônio luteinizante em humanos. Isso sugere que o almíscar tem potencial para influenciar o sistema reprodutivo de maneira significativa.


O almíscar (musk ambrette) é um tipo de fragrância sintética que é usado em produtos como sabão, detergente, cremes, loções, perfumes e até em alguns alimentos e bebidas. No entanto, em estudos com ratos, ele foi associado a problemas neurológicos, o que levou a União Europeia a proibir seu uso em cosméticos e produtos de cuidados pessoais na década de 1990.


Mesmo assim, ele ainda é produzido em países como China e Índia e pode ser encontrado em outros produtos nos Estados Unidos. 

Esse composto químico também foi detectado em ambientes aquáticos, como rios e peixes de água doce, levantando a preocupação de que crianças possam ser expostas a ele através da alimentação ou da água. Como o almíscar permanece no meio ambiente por muito tempo, há preocupações sobre os riscos de exposição prolongada.


"Assim, é concebível que o musk ambrette e/ou nitro-musks sintéticos relacionados no ambiente possam estar contribuindo para a tendência de puberdade mais precoce em meninas por meio da ativação do KISS1R. Embora nossos dados in vitro e in vivo não ofereçam evidências diretas que sustentem um efeito na puberdade, eles representam um primeiro passo para vincular o musk ambrette à atividade do eixo neuroreprodutivo durante o desenvolvimento. Essa possibilidade merece mais estudos." cita Natalie Shaw uma dos autores do estudo



LEIA MAIS:


Identification of Environmental Compounds That May Trigger Early Female Puberty by Activating Human GnRHR and KISS1R

Shu Yang, Li Zhang, Kamal Khan, Jameson Travers, Ruili Huang, Vukasin M Jovanovic, Rithvik Veeramachaneni, Srilatha Sakamuru, Carlos A Tristan, Erica E Davis


Abstract:


There has been an alarming trend toward earlier puberty in girls, suggesting the influence of an environmental factor(s). As the reactivation of the reproductive axis during puberty is thought to be mediated by the hypothalamic neuropeptides kisspeptin and gonadotropin-releasing hormone (GnRH), we asked whether an environmental compound might activate the kisspeptin (KISS1R) or GnRH receptor (GnRHR). We used GnRHR or KISS1R-expressing HEK293 cells to screen the Tox21 10K compound library, a compendium of pharmaceuticals and environmental compounds, for GnRHR and KISS1R activation. Agonists were identified using Ca2+ flux and phosphorylated extracellularly regulated kinase (p-ERK) detection assays. Follow-up studies included measurement of genes known to be upregulated upon receptor activation using relevant murine or human cell lines and molecular docking simulation. Musk ambrette was identified as a KISS1R agonist, and treatment with musk ambrette led to increased expression of Gnrh1 in murine and human hypothalamic cells and expansion of GnRH neuronal area in developing zebrafish larvae. Molecular docking demonstrated that musk ambrette interacts with the His309, Gln122, and Gln123 residues of the KISS1R. A group of cholinergic agonists with structures similar to methacholine was identified as GnRHR agonists. When applied to murine gonadotrope cells, these agonists upregulated Fos, Jun, and/or Egr1. Molecular docking revealed a potential interaction between GnRHR and 5 agonists, with Asn305 constituting the most conservative GnRHR binding site. In summary, using a Tox21 10K compound library screen combined with cellular, molecular, and structural biology techniques, we have identified novel environmental agents that may activate the human KISS1R or GnRHR.

Comments


bottom of page