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Corpos Cetônicos: A Solução Inesperada para Limpar Proteínas Danificadas no Cérebro


A Doença de Alzheimer (DA) é caracterizada por problemas no metabolismo e na manutenção das proteínas no cérebro. O estudo investigou o papel do β-hidroxibutirato (R-βHB), um corpo cetônico produzido pelo fígado, no controle da solubilidade das proteínas cerebrais. A pesquisa revelou que o R-βHB interage diretamente com proteínas patológicas, como o amiloide-β, e pode promover a degradação de proteínas insolúveis, oferecendo uma nova estratégia terapêutica para combater o envelhecimento e a DA.


A Doença de Alzheimer (DA) continua a ser uma das condições mais impactantes para os seres humanos, sendo um grande desafio para a medicina, com poucas terapias eficazes que possam modificar o curso da doença. 


A DA é caracterizada por dois problemas principais no cérebro: dificuldades no metabolismo energético e falhas na manutenção do equilíbrio das proteínas dentro das células (chamado de "proteostase"). Quando o metabolismo e a proteostase não funcionam corretamente, as células cerebrais começam a sofrer danos. 


Isso ocorre tanto em casos esporádicos (sem causas familiares) quanto nos casos de DA relacionados a fatores genéticos, como os alelos da apolipoproteína E (APOE), que são variantes genéticas associadas ao aumento do risco para a doença. 


Esses problemas tornam a DA um desafio ainda maior de ser tratada, já que as interações entre o metabolismo celular e a manutenção das proteínas ainda são mal compreendidas. Além disso, a idade avançada é o principal fator de risco para o desenvolvimento da DA. 

O envelhecimento está frequentemente associado a uma perda na proteostase e à desregulação dos sinais celulares relacionados aos nutrientes, entre outros mecanismos moleculares conhecidos por estarem conectados ao metabolismo. 


Uma nova linha de pesquisa sugere que pequenas moléculas, como metabólitos, podem conectar o metabolismo com processos relacionados ao envelhecimento, não só cumprindo sua função principal de fornecer energia, mas também interagindo diretamente com proteínas. 


Nesse estudo, pesquisadores do Buck Institute for Research on Aging, USA, investigaram como esses metabólitos podem afetar diretamente a proteostase em um ambiente celular.


Os corpos cetônicos são moléculas pequenas que são produzidas no fígado a partir de lipídios (gorduras) e incluem substâncias como a acetona, acetoacetato e (R)-β-hidroxibutirato (R-βHB). A principal função dos corpos cetônicos é fornecer energia para as células, especialmente durante períodos em que o corpo não tem muita glicose disponível, como em jejum, fome, exercício intenso ou dietas cetogênicas. 


Além disso, os corpos cetônicos podem ser administrados de forma externa, sem mudanças na alimentação, por exemplo, por meio de compostos chamados de ésteres cetônicos.  

O R-βHB não é apenas uma fonte de energia, mas também tem a capacidade de se ligar a várias proteínas dentro das células, fazendo modificações que afetam o funcionamento dessas proteínas. 


Entre essas modificações estão a inibição de enzimas que removem grupos acetil das histonas (as proteínas que ajudam a organizar o DNA), a modificação de proteínas dentro e fora do núcleo da célula, a inibição do inflamossomo NLRP3 (um complexo que está envolvido na resposta inflamatória) e a interação com receptores na superfície das células.


Esses efeitos de ligação podem alterar a função das proteínas envolvidas em muitos processos celulares importantes.


Já existem vários estudos que sugerem que dietas cetogênicas (ricos em corpos cetônicos) podem ajudar no envelhecimento saudável e na DA. Em modelos de camundongos, uma dieta cetogênica tem mostrado aumentar a expectativa de vida e melhorar a memória de camundongos mais velhos.


Além disso, dietas ricas em cetonas e a administração de cetonas externas têm melhorado o comportamento cognitivo e motor em camundongos com DA. 


Algumas pesquisas iniciais em seres humanos também indicam que os compostos cetogênicos podem melhorar a cognição em pacientes com DA de leve a moderada.


Acredita-se que uma das formas pelas quais os corpos cetônicos ajudam é através da plasticidade sináptica, o que significa que eles podem melhorar a capacidade do cérebro de formar novas conexões entre os neurônios. 

Isso foi observado em modelos de camundongos, tanto em camundongos normais mais velhos quanto em modelos de camundongos com DA. Embora os mecanismos exatos ainda não sejam totalmente conhecidos, há evidências de que os corpos cetônicos ajudam a melhorar a proteostase, ou seja, o equilíbrio de proteínas no cérebro. 


O R-βHB tem mostrado, por exemplo, impedir os efeitos tóxicos da proteína amiloide-β (uma das proteínas que forma placas no cérebro dos pacientes com DA). Além disso, tanto a dieta cetogênica quanto as cetonas administradas externamente ajudam a reduzir a quantidade dessas placas amiloides no cérebro de modelos de camundongos com DA. 


A redução dessas placas foi observada também em intervenções dietéticas que induzem a produção de corpos cetônicos, como a restrição calórica e o jejum intermitente.


Camundongos mais velhos alimentados com dietas cetogênicas não obesogênicas apresentaram melhorias na plasticidade sináptica, ramificação dendrítica e aumento na produção do BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro), uma proteína importante para a saúde do cérebro, como resultado de uma reestruturação do proteoma sináptico (o conjunto de proteínas nas sinapses, ou pontos de comunicação entre os neurônios). 


Além disso, estudos recentes sugerem que os corpos cetônicos podem também ajudar no processo de autofagia (a limpeza celular de proteínas danificadas, incluindo proteínas associadas à DA, como amiloide-β e tau).

Os corpos cetônicos (em especial o R-βHB) são conhecidos por sua capacidade de regular a proteostase, mas como isso acontece ainda não está totalmente claro. Esse estudo tem como objetivo identificar como o R-βHB interage diretamente com proteínas para regular a solubilidade das mesmas, e como ele pode ser útil para combater a toxicidade associada à DA.


A proteostase é crucial para o funcionamento do cérebro e está intimamente relacionada ao envelhecimento e às doenças neurodegenerativas (NDDs), como a Doença de Alzheimer. Quando a proteostase falha, proteínas malformadas começam a se acumular e formar agregados dentro do cérebro.


Esses agregados são uma característica importante da DA, pois as proteínas solúveis malformadas, como os oligômeros de amiloide-β, podem se espalhar de célula para célula e contribuir para a progressão da doença. 


Embora a relação exata entre essas proteínas solúveis e os agregados ainda não seja totalmente compreendida, é possível que a insolubilização (ou perda de solubilidade) dessas proteínas, especialmente se acompanhada de sua degradação, possa atuar como uma estratégia de defesa do cérebro contra os danos causados pela DA. 


Terapias que utilizam anticorpos contra oligômeros solúveis de amiloide, como o lecanemab, já demonstraram algum sucesso clínico.


Neste estudo, pela primeira vez, os cientistas identificaram um novo papel do R-βHB na interação direta com proteínas patológicas, como o amiloide-β1-42. Demonstraram como o R-βHB e outros metabólitos de pequenas moléculas relacionadas podem melhorar a toxicidade do amiloide-β1-42, tanto em experimentos in vitro (em células de mamíferos) quanto in vivo (em modelos de C. elegans, um tipo de verme utilizado como modelo para a pesquisa). 

C. elegans


Para isso, criaram bibliotecas de alvos proteicos a partir de cérebros de camundongos envelhecidos, utilizando uma técnica chamada espectrometria de massa de aquisição independente de dados (DIA-MS).


Essa técnica os permitiu identificar as proteínas mais afetadas pelo tratamento com R-βHB e observar como elas estavam relacionadas à neurodegeneração. 


Também realizaram experimentos para verificar se o R-βHB pode ajudar a limpar essas proteínas insolúveis do cérebro de camundongos. 


Os resultados indicam que o R-βHB atua como um regulador global da solubilidade de proteínas citosólicas, e que a depuração (ou eliminação) dessas proteínas pode ser facilitada por vias celulares de degradação proteica.


Em resumo, este estudo mostra que o R-βHB pode ser uma ferramenta valiosa no tratamento da DA, ao regular diretamente a proteostase, e abre novas possibilidades para o desenvolvimento terapêutico focado no metabolismo e na manutenção das proteínas celulares, tanto no envelhecimento quanto na Doença de Alzheimer.



LEIA MAIS:


β-hydroxybutyrate is a metabolic regulator of proteostasis in the aged and Alzheimer disease brain

Sidharth S. Madhavan, Stephanie Roa Diaz, Sawyer Peralta,  Mitsunori Nomura, Christina D. King, Kaya E. Ceyhan, Anwen Lin, Dipa Bhaumik, Anna C. Foulger,  Samah Shah, Thanh Blade, Wyatt Gray,  Manish Chamoli, Brenda Eap, Oishika Panda, Diego Diaz, Thelma Y. Garcia, Brianna J. Stubbs, Scott M. Ulrich,  Gordon J. Lithgow, Birgit Schilling, Eric Verdin, Asish R. Chaudhuri, John C. Newman

Cell Chemical Biology. Published online December 2, 2024

DOI: 10.1016/j.chembiol.2024.11.001


Abstract:


Loss of proteostasis is a hallmark of aging and Alzheimer disease (AD). We identify β-hydroxybutyrate (βHB), a ketone body, as a regulator of protein solubility. βHB primarily provides ATP substrate during periods of reduced glucose availability, and regulates other cellular processes through protein interactions. We demonstrate βHB-induced protein insolubility is not dependent on covalent protein modification, pH, or solute load, and is observable in mouse brain in vivo after delivery of a ketone ester. This mechanism is selective for pathological proteins such as amyloid-β, and exogenous βHB ameliorates pathology in nematode models of amyloid-β aggregation toxicity. We generate libraries of the βHB-induced protein insolublome using mass spectrometry proteomics, and identify common protein domains and upstream regulators. We show enrichment of neurodegeneration-related proteins among βHB targets and the clearance of these targets from mouse brain. These data indicate a metabolically regulated mechanism of proteostasis relevant to aging and AD.

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