Compulsão Alimentar: O Que Acontece no Cérebro Quando o Prazer Desaparece?
- Lidi Garcia
- 7 de abr.
- 5 min de leitura

Comer muita gordura pode fazer o cérebro funcionar de forma diferente, diminuindo a sensação de prazer ao comer. Em testes com camundongos, cientistas viram que uma dieta gordurosa fez os animais perderem o interesse por comidas gostosas, mesmo quando estavam fáceis de pegar. Isso aconteceu porque partes do cérebro que controlam o prazer ficaram "desconectadas". Eles também descobriram que uma substância chamada neurotensina está ligada a isso, e que, ao corrigir seus níveis, é possível reverter o problema. Esse estudo ajuda a entender melhor como a obesidade afeta o cérebro e pode abrir caminho para novos tratamentos para problemas de alimentação.
Nosso cérebro tem um sistema que controla o desejo e o prazer de comer, chamado sistema dopaminérgico mesolímbico. Ele inclui um grupo de neurônios dopaminérgicos, localizados em uma região do cérebro chamada área tegmentar ventral (VTA).
Esses neurônios enviam sinais para outra área no núcleo accumbens (NAc), que ajuda a regular a motivação e o prazer associado à comida. Quando antecipamos ou comemos algo saboroso, esses neurônios disparam sinais, incentivando o comportamento alimentar.
No entanto, pesquisas mostram que consumir alimentos muito gordurosos por um longo tempo pode diminuir essa atividade no cérebro, tanto em camundongos quanto em humanos. Isso significa que o sistema de recompensa do cérebro pode ficar "desregulado", reduzindo a motivação para buscar comida prazerosa, o que pode influenciar o ganho de peso e a obesidade.

Além da dopamina, o núcleo accumbens também tem neurônios inibitórios que se comunicam com o área tegmentar ventral usando uma substância chamada GABA. Esses neurônios influenciam o comportamento alimentar, mas seu papel ainda não é completamente compreendido.
Estudos anteriores sugerem que estimular essa conexão entre núcleo accumbens e área tegmentar ventral pode aumentar comportamentos de recompensa, como a busca por comida saborosa.
Para entender melhor como a obesidade afeta esse mecanismo, os cientistas alimentaram camundongos com uma dieta rica em gordura por um longo período (chamada de HFD, High Fat Diet), analisando seu comportamento alimentar e os sinais cerebrais envolvidos nesse processo.

Os pesquisadores usaram camundongos da linhagem C57Bl/6 e os dividiram em dois grupos:
Grupo Controle: Alimentado com uma dieta padrão.
Grupo HFD (High Fat Diet): Recebeu uma dieta rica em gordura por um longo período.
O objetivo era simular os efeitos do consumo excessivo de alimentos altamente calóricos, como fast food, sobre o cérebro e o comportamento dos animais. Os cientistas analisaram como os camundongos reagiam ao alimento de diferentes formas.
Preferência alimentar na gaiola: Ambos os grupos tinham acesso a ração comum e a uma ração rica em gordura, para verificar qual preferiam. Como esperado, os camundongos do grupo High Fat Diet escolheram consistentemente a ração mais gordurosa.
Teste de alimentação hedônica: Os camundongos foram colocados em um novo ambiente onde alimentos altamente calóricos eram oferecidos sem nenhum esforço necessário para obtê-los. Surpreendentemente, os camundongos que estavam na dieta rica em gordura mostraram menos interesse nesses alimentos, sugerindo que seu cérebro já não os achava tão prazerosos.

Para entender o que estava acontecendo no cérebro durante esses comportamentos, os cientistas registraram a atividade dos neurônios em tempo real. Eles se concentraram em duas regiões principais:
Núcleo Accumbens (NAc) – que regula o prazer associado à comida.
Área Tegmentar Ventral (VTA) – que contém neurônios produtores de dopamina, responsáveis por estimular a motivação para buscar alimentos saborosos.
Com técnicas avançadas, os cientistas mediram como os neurônios dessas áreas se ativavam quando os camundongos recebiam comida prazerosa. Nos camundongos com dieta comum, a atividade neural do Núcleo Accumbens e Área Tegmentar Ventral estava sincronizada com o comportamento alimentar hedônico.
Já nos camundongos High Fat Diet, essa relação foi perdida, sugerindo que a obesidade altera a forma como o cérebro processa o prazer alimentar.
Para testar se era possível restaurar a motivação para comer alimentos prazerosos, os cientistas usaram optogenética, uma técnica que permite ativar ou inativar neurônios específicos usando luz. Eles implantaram fibras ópticas no cérebro dos camundongos e estimularam artificialmente a via entre o Núcleo Accumbens e o Área Tegmentar Ventral.

Tecnica de Optogenética
Em camundongos com dieta normal, essa estimulação aumentou o desejo por comida prazerosa. Porém, em camundongos High Fat Diet, a estimulação não teve efeito. Isso reforça a ideia de que o consumo crônico de gordura altera profundamente esse circuito cerebral.
Os pesquisadores então investigaram se uma substância química chamada neurotensina poderia estar envolvida na perda da motivação alimentar observada nos camundongos High Fat Diet.
Descobriram que os camundongos High Fat Diet tinham níveis reduzidos de neurotensina na via entre o Núcleo Accumbens e o Área Tegmentar Ventral. Quando eles bloquearam a ação da neurotensina em camundongos saudáveis, esses animais também perderam o prazer em comer alimentos altamente calóricos.
Por outro lado, quando aumentaram artificialmente os níveis de neurotensina nos camundongos High Fat Diet, o desejo por alimentos saborosos foi restaurado.

Os resultados mostraram que o consumo excessivo de gordura altera o funcionamento dos circuitos cerebrais que regulam o prazer alimentar, tornando os alimentos altamente calóricos menos gratificantes ao longo do tempo.
Essa mudança está associada à redução da neurotensina, um importante mensageiro químico do cérebro. A descoberta pode abrir caminhos para novas estratégias no combate à obesidade, visando restaurar a função desse sistema cerebral.
LEIA MAIS:
Changes in neurotensin signalling drive hedonic devaluation in obesity
Neta Gazit Shimoni, Amanda J. Tose, Charlotte Seng, Yihan Jin, Tamás Lukacsovich, Hongbin Yang, Jeroen P. H. Verharen, Christine Liu, Michael Tanios, Eric Hu, Jonathan Read, Lilly W. Tang, Byung Kook Lim, Lin Tian, Csaba Földy & Stephan Lammel
Nature (2025).
Abstract:
Calorie-rich foods, particularly those that are high in fat and sugar, evoke pleasure in both humans and animals1. However, prolonged consumption of such foods may reduce their hedonic value, potentially contributing to obesity2,3,4. Here we investigated this phenomenon in mice on a chronic high-fat diet (HFD). Although these mice preferred high-fat food over regular chow in their home cages, they showed reduced interest in calorie-rich foods in a no-effort setting. This paradoxical decrease in hedonic feeding has been reported previously3,4,5,6,7, but its neurobiological basis remains unclear. We found that in mice on regular diet, neurons in the lateral nucleus accumbens (NAcLat) projecting to the ventral tegmental area (VTA) encoded hedonic feeding behaviours. In HFD mice, this behaviour was reduced and uncoupled from neural activity. Optogenetic stimulation of the NAcLat→VTA pathway increased hedonic feeding in mice on regular diet but not in HFD mice, though this behaviour was restored when HFD mice returned to a regular diet. HFD mice exhibited reduced neurotensin expression and release in the NAcLat→VTA pathway. Furthermore, neurotensin knockout in the NAcLat and neurotensin receptor blockade in the VTA each abolished optogenetically induced hedonic feeding behaviour. Enhancing neurotensin signalling via overexpression normalized aspects of diet-induced obesity, including weight gain and hedonic feeding. Together, our findings identify a neural circuit mechanism that links the devaluation of hedonic foods with obesity.
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