Resumo:
No estudo, foram analisadas diferenças na atividade cerebral entre crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e aquelas sem o transtorno. Os pesquisadores observaram uma redução significativa na chamada "flexibilidade neural" em crianças com TDAH. Esse termo se refere à capacidade do cérebro de ajustar rapidamente a comunicação entre diferentes redes neurais conforme a demanda de uma tarefa, um processo fundamental para a flexibilidade cognitiva.
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um dos distúrbios do neurodesenvolvimento mais comuns em crianças, impactando de 3% a 5% das crianças globalmente.
Esse transtorno é marcado por sintomas de desatenção, impulsividade e hiperatividade, que são frequentemente inadequados para o nível de desenvolvimento da criança e interferem em sua capacidade de aprender e de se relacionar socialmente. Em muitos casos, esses sintomas persistem na vida adulta, o que aumenta a relevância de diagnósticos e intervenções precoces.
O diagnóstico de TDAH atualmente depende principalmente de avaliações comportamentais realizadas após a manifestação dos sintomas. No entanto, a subjetividade envolvida nessas avaliações pode prejudicar a precisão do diagnóstico, e é por isso que existe um grande interesse em métodos diagnósticos mais objetivos e padronizados.
Com o avanço das técnicas de aprendizado de máquina (inteligência artificial, IA) e análise de neuroimagem, surgem novas possibilidades de identificar o TDAH e prever desfechos clínicos de forma mais precisa, usando dados cerebrais específicos.
Um foco recente é a análise da “flexibilidade neural”, que se refere à capacidade das áreas do cérebro de mudarem sua comunicação entre diferentes redes, essencial para a flexibilidade cognitiva — a capacidade de alternar entre tarefas ou adaptar o pensamento a novos contextos.
Em crianças com TDAH, estudos de neuroimagem mostram uma redução na flexibilidade neural, indicando uma menor capacidade de adaptação em funções como planejamento, organização e resposta a mudanças, que estão diretamente ligadas às funções executivas.
Algumas pessoas são mais cognitivamente flexíveis do que outras. É apenas a sorte do sorteio genético em alguns aspectos, embora possamos melhorar nossa flexibilidade cognitiva quando percebemos que estamos sendo inflexíveis.
Pense assim: somos cognitivamente flexíveis quando podemos começar o jantar, deixar as cebolas ferverem, enviar uma mensagem de texto para um amigo, voltar a fazer o jantar sem queimar as cebolas e, em seguida, terminar o jantar enquanto também conversamos com seu cônjuge.
Também somos cognitivamente flexíveis quando mudamos os estilos de comunicação ao falar com um amigo e depois com uma filha e depois com um colega de trabalho, ou quando resolvemos problemas de forma criativa, digamos, quando você percebe que não tem cebolas para fazer o jantar que deseja, então precisa de um novo plano.
Faz parte da nossa função executiva, que inclui acessar memórias e exibir autocontrole. A função executiva deficiente é uma marca registrada do TDAH em crianças e adultos.
Quando somos cognitivamente inflexíveis, não conseguimos nos concentrar em algumas das tarefas, pegamos o telefone e rolamos as redes sociais sem pensar, esquecendo o que estamos fazendo enquanto preparamos o jantar.
Em adultos, mas especialmente em crianças, essa inflexibilidade cognitiva pode causar estragos na capacidade de um indivíduo de aprender e realizar tarefas.
Muitos estudos de neuroimagem sugerem que o TDAH está relacionado a uma organização atípica e conectividade funcional (FC) prejudicada entre as redes cerebrais.
A conectividade no cérebro de crianças com TDAH tende a mostrar interrupções globais e dentro de sub-redes, menos eficiência em conexões de longo alcance e segregação reduzida entre a rede de modo padrão (DMN), que lida com autorreflexão e pensamento em repouso, e outras redes específicas para tarefas.
Cientistas da Universidade da Carolina do Norte (UNC) realizaram um estudo de neuroimagem para explorar a atividade neural que corresponde à "flexibilidade cognitiva" — a capacidade do cérebro de se adaptar a novas informações e alternar entre tarefas ou pensamentos de forma eficiente. Essa habilidade é essencial para o aprendizado e o desenvolvimento, especialmente em crianças. O estudo foi publicado na Molecular Psychiatry.
No estudo, foram analisadas diferenças na atividade cerebral entre 180 crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e aquelas 180 sem o transtorno. Os pesquisadores observaram uma redução significativa na chamada "flexibilidade neural" em crianças com TDAH.
Alteração da flexibilidade neural no TDAH. a) Um boxplot mostra uma flexibilidade neural cerebral total significativamente diminuída em indivíduos com TDAH em comparação com TDC. b) Comparações da flexibilidade neural de diferentes redes funcionais. Asteriscos pretos indicam diferenças significativas após a correção de FDR. SH sensório-motor mão, SM sensório-motor boca, CO cingulo-opercular, AUD auditivo, DMN modo padrão, MEM recuperação de memória, VIS visual, FP frontoparietal, SAL saliência, SUB subcortical, VA atenção ventral, DA atenção dorsal, CB cerebelar, UC sistema incerto.
Ao examinar a atividade cerebral em diferentes níveis, incluindo o cérebro como um todo e sub-redes específicas (áreas cerebrais que se comunicam para realizar determinadas funções), os cientistas notaram que as crianças com TDAH apresentavam menos variação na comunicação entre essas regiões.
Foi observada uma redução significativa na flexibilidade neural do cérebro inteiro em indivíduos com TDAH em comparação com TDC. Consistente com essa descoberta, os pesquisadores observaram que os módulos eram significativamente mais estáveis em indivíduos com TDAH.
Para examinar mais a fundo se a redução observada na flexibilidade neural no TDAH era impulsionada por sistemas cerebrais funcionais específicos ou era uma característica geral de todo o cérebro, a flexibilidade neural em nível de rede foi comparada entre indivíduos com TDAH e TDC.
Em comparação com TDC, indivíduos com TDAH exibiram uma redução significativa na flexibilidade neural em todas as redes, exceto nas redes Cíngulo-Opercular e Cerebelar.
A rede Cingulo-Opercular (CON) é uma rede executiva do cérebro humano que regula ações. A CON é composta por um conjunto de regiões funcionalmente acopladas no córtex cingulado anterior dorsal (dACC), córtex pré-frontal dorsomedial (dmPFC), ínsula anterior (aI), giro supramarginal (SMG), Areas responsáveis pela atenção, foco, comportamento social, e impulsividade.
Além disso, o estudo analisou a influência da medicação para TDAH na flexibilidade neural. Um total de 46 indivíduos com TDAH receberam medicação.
Crianças com TDAH que usavam medicamentos apresentaram um aumento na flexibilidade neural em comparação com aquelas sem medicação, e seus níveis de flexibilidade neural eram similares aos do grupo de crianças com desenvolvimento típico. Esses achados sugerem que a medicação pode melhorar a organização cerebral de crianças com TDAH, promovendo uma maior adaptabilidade mental.
Por fim, os pesquisadores avaliaram a hipótese que a flexibilidade neural poderia servir como um biomarcador para diferenciar crianças com TDAH de TDC. Um biomarcador é uma característica mensurável, como uma molécula, gene, ou padrão cerebral, que indica processos biológicos, condições de saúde ou resposta ao tratamento.
Os pesquisadores descobriram que a flexibilidade neural poderia prever a presença de TDAH e a gravidade dos sintomas de maneira significativa. Usando modelos preditivos, a flexibilidade neural mostrou precisão de 77% ao diferenciar crianças com TDAH das sem TDAH e foi capaz de prever a gravidade do TDAH de acordo com escalas clínicas de sintomas.
Esses achados sugerem que a flexibilidade neural pode ser uma ferramenta promissora tanto para o diagnóstico quanto para o acompanhamento da resposta ao tratamento em crianças com TDAH, oferecendo uma nova perspectiva para entender e tratar o transtorno.
Previsão bem-sucedida do estado e da gravidade do TDAH usando flexibilidade neural. a) A precisão, sensibilidade, especificidade e AUC (acurácia) para o modelo de classificação de TDAH, e b) a distribuição espacial das 24 regiões mais preditivas usando pontuações de importância classificadas. c) As pontuações entre os grupos analisados, e d) gráficos de dispersão comparando a pontuação de gravidade baseada na flexibilidade neural. e) A distribuição espacial das 28 regiões mais preditivas usando pontuações de importância classificadas.
Essas descobertas oferecem uma nova perspectiva sobre como dificuldades na flexibilidade neural afetam a cognição e o comportamento em crianças com TDAH. O estudo destaca o papel da flexibilidade neural como uma possível ferramenta para diagnósticos e para a criação de intervenções personalizadas, visando melhorar a flexibilidade cognitiva e reduzir os sintomas do transtorno.
LEIA MAIS:
Altered neural flexibility in children with attention-deficit/hyperactivity disorder.
Yin, W., Li, T., Mucha, P.J. et al.
Mol Psychiatry 27, 4673–4679 (2022).
Abstract:
Attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD) is one of the most common neurodevelopmental disorders of childhood, and is often characterized by altered executive functioning. Executive function has been found to be supported by flexibility in dynamic brain reconfiguration. Thus, we applied multilayer community detection to resting-state fMRI data in 180 children with ADHD and 180 typically developing children (TDC) to identify alterations in dynamic brain reconfiguration in children with ADHD. We specifically evaluated MR derived neural flexibility, which is thought to underlie cognitive flexibility, or the ability to selectively switch between mental processes. Significantly decreased neural flexibility was observed in the ADHD group at both the whole brain (raw p = 0.0005) and sub-network levels (p < 0.05, FDR corrected), particularly for the default mode network, attention-related networks, executive function-related networks, and primary networks. Furthermore, the subjects with ADHD who received medication exhibited significantly increased neural flexibility (p = 0.025, FDR corrected) when compared to subjects with ADHD who were medication naïve, and their neural flexibility was not statistically different from the TDC group (p = 0.74, FDR corrected). Finally, regional neural flexibility was capable of differentiating ADHD from TDC (Accuracy: 77% for tenfold cross-validation, 74.46% for independent test) and of predicting ADHD severity using clinical measures of symptom severity (R2: 0.2794 for tenfold cross-validation, 0.156 for independent test). In conclusion, the present study found that neural flexibility is altered in children with ADHD and demonstrated the potential clinical utility of neural flexibility to identify children with ADHD, as well as to monitor treatment responses and disease severity.
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