
O estudo revelou que o estresse repetitivo altera a forma como o cérebro processa sons, reduzindo a percepção de volume ao longo do tempo. Isso ocorre porque o estresse aumenta a atividade espontânea do córtex auditivo, mas reduz as respostas a sons em certos neurônios e intensifica em outros.
O estresse repetitivo tem um impacto significativo na saúde mental e pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos e dificuldades sensoriais. Isso acontece porque, quando estamos sob estresse constante, nosso corpo e cérebro passam por uma série de mudanças para tentar se adaptar a essa situação.
Essas mudanças afetam o comportamento e a maneira como percebemos o mundo ao nosso redor. Diferente do estresse agudo, que é uma reação rápida e temporária a uma ameaça específica, o estresse repetitivo se mantém mesmo quando o motivo inicial já passou.
Os cientistas já sabem que o estresse crônico pode afetar funções cognitivas importantes, como aprendizado, memória e tomada de decisões. No entanto, ainda há muitas dúvidas sobre como ele influencia o nosso processamento sensorial, ou seja, a forma como percebemos sons, cheiros, imagens e toques.

Nossa percepção dos sentidos é profundamente ligada ao nosso estado emocional. Por exemplo, quando estamos estressados, um som pode parecer mais alto ou um cheiro pode parecer mais desagradável do que quando estamos calmos. Mas será que o estresse repetitivo realmente muda nossa forma de sentir o mundo ao nosso redor?
Pesquisas anteriores mostraram que o estresse crônico pode aumentar a sensibilidade à dor, alterar nossa percepção de cheiros e até modificar o funcionamento do cérebro.
Isso ocorre porque o estresse provoca inflamação no sistema nervoso e afeta regiões cerebrais como a amígdala e o córtex cingulado anterior, que estão envolvidos nas emoções e na percepção sensorial.
Apesar desses avanços, ainda se sabe pouco sobre como o estresse afeta a percepção de estímulos neutros, como um som comum ou uma textura simples, que, em teoria, não teriam uma carga emocional positiva ou negativa.
Alguns estudos sugerem que o estresse pode diminuir a capacidade de reconhecer novos cheiros e texturas, mas diferenciar esse efeito do impacto na memória tem sido um grande desafio.

Outras pesquisas indicam que o estresse crônico pode modificar áreas primárias do cérebro responsáveis pelos sentidos, como o córtex piriforme, que processa cheiros. Mas ainda não há medições diretas sobre como o estresse repetitivo afeta a atividade dessas regiões ao longo do tempo.
Para entender melhor essa relação, cientistas da University of the Negev, Israel, decidiram focar no córtex auditivo, responsável pelo processamento dos sons.
Eles escolheram essa área porque pesquisas anteriores mostram que experiências estressantes na infância podem prejudicar a percepção auditiva e porque essa região do cérebro é influenciada pelo sistema límbico, que regula as emoções e o estresse.
Para testar essa hipótese, os pesquisadores realizaram experimentos em camundongos, submetendo-os a estresse repetitivo e analisando como isso afetava seu processamento auditivo ao longo do tempo.
Eles descobriram que o estresse aumentou a atividade espontânea do córtex auditivo, mas reduziu a resposta a sons em certos tipos de neurônios, enquanto aumentou a resposta em outros.
Como resultado, os camundongos passaram a perceber os sons como menos intensos do que realmente eram. Além disso, os efeitos do estresse na percepção não ocorreram de imediato, mas se desenvolveram gradualmente conforme a exposição ao estresse persistia.

O estresse repetitivo causa uma redução no contraste neural em animais estressados quando comparados ao controle.
Essas descobertas sugerem que o estresse repetitivo pode modificar diretamente o funcionamento das áreas sensoriais do cérebro, afetando a forma como percebemos o mundo.
Isso desafia a ideia de que o estresse impacta apenas estímulos emocionalmente carregados, mostrando que ele pode alterar até mesmo a percepção de sons neutros do dia a dia.
Esse estudo abre caminho para novas pesquisas sobre como o estresse pode estar relacionado a distúrbios sensoriais e psiquiátricos, ajudando a compreender melhor seus efeitos no cérebro e no comportamento.
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Repeated stress gradually impairs auditory processing and perception
Ghattas Bisharat, Ekaterina Kaganovski, Hila Sapir, Anita Temnogorod, Tal Levy, Jennifer Resnik
PLOS Biology. Published: February 11, 2025
Abstract:
Repetitive stress, a common feature of modern life, is a major risk factor for psychiatric and sensory disorders. Despite the prevalence of perceptual abnormalities in these disorders, little is known about how repetitive stress affects sensory processing and perception. Here, we combine repetitive stress in mice, longitudinal measurement of cortical activity, and auditory-guided behaviors to test if sound processing and perception of neutral sounds in adults are modulated by repetitive stress. We found that repetitive stress alters sound processing, increasing spontaneous cortical activity while dampening sound-evoked responses in pyramidal and PV cells and heightening sound-evoked responses in SST cells. These alterations in auditory processing culminated in perceptual shifts, particularly a reduction in loudness perception. Additionally, our work reveals that the impact of stress on perception evolves gradually as the stressor persists over time, emphasizing the dynamic and evolving nature of this mechanism. Our findings provide insight into a possible mechanism by which repetitive stress alters sensory processing and behavior, challenging the idea that stress primarily modulates emotionally charged stimuli.
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