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Como criar e quebrar hábitos usando a neurociência


Os hábitos são padrões de comportamento que repetimos automaticamente em situações familiares. Eles surgem devido à repetição consistente e ao aprendizado de associações entre estímulos e respostas. 


Pense em ações simples como preparar uma xícara de café pela manhã ou seguir o mesmo trajeto para o trabalho: essas tarefas, uma vez aprendidas, não exigem muito esforço mental.


A chave aqui é a eficiência cognitiva. Quando transformamos comportamentos deliberados em automáticos, liberamos recursos mentais para tarefas mais exigentes.


Por exemplo, quando você se muda para uma nova cidade, cada curva ou cruzamento no caminho para o trabalho inicialmente exige atenção total. No entanto, com o tempo e a repetição, essas ações se tornam automáticas.


Isso não apenas facilita o dia a dia, mas também permite que você use sua atenção para problemas mais complexos, como planejar o dia ou refletir sobre decisões importantes.

Os hábitos são particularmente úteis em momentos em que estamos estressados, apressados ou distraídos, pois exigem menos esforço consciente.

Eles podem garantir que você continue a cumprir  atividades importantes, como fazer exercícios regularmente ou manter uma alimentação saudável, mesmo quando a motivação está baixa. Assim, eles servem como uma espécie de "piloto automático" para comportamentos desejáveis.


Apesar de sua utilidade, os hábitos podem se tornar uma barreira quando o contexto muda. Imagine viajar para um país onde se dirige no lado oposto da estrada. Há uma grande chance de cometer erros inicialmente porque seu hábito está bem enraizado.


Da mesma forma, mudar uma senha antiga pode ser desafiador porque a memória muscular e o comportamento automático insistem no padrão anterior.


Esses desafios, conhecidos como deslizes de ação, são pequenos erros causados pelo conflito entre hábitos antigos e novas demandas.


Além disso, hábitos também podem contribuir para comportamentos prejudiciais, como compulsões em transtornos obsessivo-compulsivos (TOC) ou dependências, onde ações repetitivas se tornam difíceis de controlar.


O estudo dos hábitos tem atraído tanto pesquisadores interessados na teoria quanto profissionais que buscam aplicar essas descobertas no mundo real. A ciência básica sobre hábitos tem como foco entender como comportamentos automáticos se formam e como podemos influenciá-los.


Já a pesquisa aplicada busca maneiras de incentivar "bons hábitos" e conter os "maus", promovendo mudanças comportamentais significativas.


Os hábitos podem ser entendidos como o resultado de dois sistemas mentais distintos:


  • Associações estímulo-resposta (S–R): Aqui, os hábitos se formam quando um estímulo (como o alarme do celular) desencadeia automaticamente uma resposta (checar o telefone). Esse processo é rápido e automático.


  • Controle orientado por objetivos: Em algumas situações, mesmo comportamentos automáticos podem ser modulados por nossa atenção e objetivos conscientes, desde que haja recursos cognitivos disponíveis.


Os dois sistemas estão sempre interagindo. O hábito se manifesta quando o sistema orientado a estímulos supera o sistema orientado a objetivos naquele momento, como quando você, sem perceber, segue o caminho habitual de casa, mesmo planejando passar em outro lugar.


No entanto, os hábitos nem sempre dependem exclusivamente do sistema S–R. Algumas pesquisas sugerem que há outros mecanismos envolvidos, especialmente em situações onde o contexto muda ou há conflito entre hábitos antigos e novos objetivos. 

Embora a ciência sobre hábitos tenha avançado significativamente, ainda existem áreas em que os dados são inconsistentes. Por exemplo, enquanto há consenso sobre como hábitos simples se formam, questões como sua aplicação em contextos clínicos (TOC ou vícios) ou estratégias para mudanças duradouras ainda estão sendo exploradas.


Essa área de estudo tem potencial para influenciar intervenções práticas, ajudando as pessoas a construir comportamentos positivos e superar padrões prejudiciais.


A compreensão de como o cérebro lida com hábitos no nível neurobiológico e psicológico continua a ser uma das fronteiras mais promissoras na ciência comportamental.

(A) O caminho para casa é habitual, guiado por processos orientados por estímulos, onde um estímulo específico (por exemplo, uma árvore em uma junção) automaticamente aciona uma resposta associada (por exemplo, virar à esquerda). Em contraste, ações orientadas por objetivos envolvem a consideração de expectativas de ação-resultado (A–O) (por exemplo, virar à direita para a loja) e a avaliação de resultados valorizados (por exemplo, obter comida). (B) Quando ambos os sistemas de controle se alinham, o comportamento resultante é o mesmo, tornando difícil determinar qual sistema está conduzindo a ação. No entanto, quando os dois sistemas entram em conflito, os hábitos se tornam evidentes porque são contra crenças e objetivos explícitos.


Os hábitos podem ser fortalecidos ao aumentar a força do sistema orientado a estímulos,  isso ocorre por meio da repetição de uma ação no mesmo contexto. Ou, ao reduzir a influência do  sistema orientado a objetivos: Tarefas simples, com menos necessidade de raciocínio, ajudam os hábitos a "assumirem o controle".


Já para evitar ou quebrar um hábito, podemos enfraquecer o sistema orientado a estímulos alterando o ambiente ou reduzindo a frequência de repetições. Tambem podemos fortalecer o sistema orientado a objetivos, mantendo o foco em metas e aumentando a atenção sobre o comportamento indesejado.

A criação de hábitos é facilitada por fatores que fortalecem o sistema orientado a estímulos ou enfraquecem o sistema orientado a objetivos. Por outro lado, quebrar hábitos pode ser alcançado por meio de fatores que enfraquecem o sistema orientado a estímulos ou fortalecem o sistema orientado a objetivos. Abreviação: S–R, estímulo–resposta.


A repetição é essencial para transformar comportamentos em hábitos. Cada vez que repetimos uma ação, nosso cérebro fortalece as conexões entre estímulo e resposta, tornando o comportamento cada vez mais automático.


Isso acontece porque os neurônios envolvidos nessas ações "aprendem" a ativar juntos, criando um traço de memória que facilita o hábito.


Por exemplo, experimentos clássicos em ratos mostram que, ao treinar o animal para pressionar uma alavanca em troca de um alimento, ele continua a pressioná-la mesmo após o alimento perder  valor, indicando que o comportamento se tornou um hábito automático.


Nos humanos, no entanto, a relação entre repetição e hábito é mais complexa. Estudos mostram que alguns hábitos simples podem ser formados em poucos dias, como uma ação repetida milhares de vezes em um laboratório.


Já hábitos mais complicados, como adotar uma rotina de exercícios, podem levar semanas ou meses, dependendo de fatores como motivação e consistência.


Pesquisas sugerem que o ambiente estável é crucial. Por exemplo, um ambiente hospitalar, onde as tarefas são repetidas diariamente (como lavar as mãos), favorece a formação de hábitos mais rapidamente.


A neurociência também ajuda a explicar os hábitos, identificando as regiões cerebrais envolvidas. O estriado dorsolateral (em roedores) ou putâmen posterior (em humanos) são áreas do cérebro que estão ligadas ao aprendizado de estímulo-resposta. Estudos mostram que danos nessas regiões prejudicam a formação de hábitos.

A via direcionada a objetivos se estende do putâmen anterior e caudado ao córtex pré-frontal dorsolateral (dlPFC), que dá suporte ao controle direcionado a objetivos ao representar identidades de resposta e resultado e comparar os valores de diferentes respostas. O córtex pré-frontal ventromedial (vmPFC) está envolvido na recuperação de valores de objetivo e na determinação de suas preferências relativas, enquanto o córtex orbitofrontal (OFC) é sensível a mudanças nos valores de resultado. A via direcionada a estímulos se estende do putâmen posterior ao córtex pré-motor, uma conexão que está associada a diferenças individuais na expressão de hábitos durante um teste de desvalorização. O putâmen posterior também foi implicado na formação e expressão de hábitos; ele mostra atividade aumentada com overtraining e decodificação de atividade relacionada à ação no momento da apresentação do estímulo. Ele está ainda associado a hábitos da vida real que funcionam como habilidades, como dirigir.


Apesar de avanços significativos, a pesquisa ainda enfrenta desafios para entender por completo os hábitos em humanos, devido à dificuldade de controlar variáveis em estudos da vida real.


Embora popularmente se diga que leva 21 dias para formar um hábito, a verdade é que o tempo necessário varia. Estudos mostram que hábitos simples podem se formar em semanas. Ao contrario,  comportamentos mais complexos, como exercícios regulares, podem levar meses. 


A mediana para atingir uma automação considerável é de cerca de 66 dias, mas pode variar entre 18 e 254 dias, dependendo de fatores como frequência, contexto e motivação.


O reforço é um mecanismo essencial na formação de hábitos. Segundo a Lei do Efeito, comportamentos seguidos por resultados positivos tendem a ser repetidos, pois fortalecem as associações estímulo-resposta (S–R). Por exemplo:


  • Recompensas aumentam a probabilidade de recorrência: O reforço promove a automaticidade, como evidenciado por tempos de reação mais rápidos em comportamentos habituais.


  • Valor da recompensa influencia hábitos: Estudos mostram que associações treinadas com recompensas mais valiosas apresentam maior interferência S–R, demonstrando que o reforço independente de repetição pode consolidar hábitos.


Além disso, o reforço é amplamente mediado pelo sistema de dopamina, especialmente no estriado dorsolateral, que regula comportamentos automáticos.


Pesquisas indicam que lesões no sistema dopaminérgico interrompem o aprendizado S–R. Alem disso, durante a formação de hábitos, a atividade dopaminérgica aumenta em regiões orientadas a estímulos e pode diminuir em áreas voltadas a objetivos.


Essa dependência da dopamina também tem implicações em condições médicas, como a doença de Parkinson e a síndrome de Tourette, onde a disfunção dopaminérgica afeta a expressão de hábitos.


Outra forma de promover hábitos é reduzindo o papel do sistema orientado a objetivos, o que permite que associações S–R dominem. Isso pode ocorrer de várias maneiras.


O estresse agudo pode enfraquecer a capacidade do cérebro de processar metas deliberadas, favorecendo hábitos. Em situações estressantes, representações S–R tornam-se mais robustas.


Distratores como memória de trabalho elevada ou multitarefas também reduzem o controle direcionado a objetivos, facilitando a formação de hábitos.


Por fim,  a falta de sono diminui o envolvimento cognitivo, criando um ambiente onde hábitos são mais facilmente expressos.


No cérebro, esse processo está relacionado ao córtex pré-frontal (PFC), responsável pelo planejamento e controle direcionados a objetivos. Diminuição da atividade no PFC, como em condições de estresse, enfraquece a capacidade de regular hábitos.


Pesquisas sobre transtornos compulsivos, como TOC, mostram que déficits no controle direcionado a objetivos estão relacionados a uma maior expressão de hábitos. Pacientes com TOC, por exemplo, demonstram maior prevalência de comportamentos habituais, mesmo após treinamento limitado. 


Isso sugere que esses transtornos podem ser, em parte, causados por disfunções no sistema A–O, e não apenas por hiperatividade do sistema S–R.


Esses insights são fundamentais para intervenções terapêuticas que visam ajustar o equilíbrio entre processos orientados a estímulos e objetivos, tanto em contextos clínicos quanto na formação de hábitos saudáveis no dia a dia.


A extinção de hábitos requer estratégias que criem novas associações (como a ligação entre um contexto e a ausência de resposta), ao invés de simplesmente suprimir comportamentos existentes.


Métodos como terapia comportamental e intervenções farmacológicas, como o uso da D-cicloserina, mostram eficácia em facilitar a extinção de associações S–R.


Alterar o ambiente ou evitar pistas relacionadas ao hábito é uma técnica eficaz. Por exemplo, um fumante pode evitar locais onde o cigarro é associado a interações sociais.


Grandes transições de vida, como mudança de residência, oferecem oportunidades para interromper hábitos, mas também podem afetar hábitos positivos.


Fortalecer o controle cognitivo e a capacidade de resistir a respostas automáticas ajuda a suplantar hábitos antigos com comportamentos adaptativos. Introduzir novos hábitos para substituir os antigos, com foco em ações que utilizem contextos semelhantes, permite suplantar hábitos indesejados.


Essas estratégias mostram que a modificação de hábitos requer uma compreensão das interações entre contexto, pistas ambientais e os sistemas de controle cerebral envolvidos.


A abordagem de inibição direcionada a objetivos busca suprimir associações estímulo-resposta (S–R) ao promover o controle consciente sobre hábitos automáticos. Essa técnica é especialmente relevante em contextos onde os hábitos mal adaptativos persistem devido à força de associações pré-estabelecidas. 

Fatores como estresse, pressão de tempo e carga de memória de trabalho enfraquecem a capacidade de controle consciente. Evitar esses contextos ajuda a limitar a expressão de hábitos negativos.


Um estudo mostrou que o estresse crônico aumenta a expressão de hábitos enquanto reduz a atividade em vias cerebrais direcionadas a objetivos, como o córtex pré-frontal medial e o núcleo caudado. Após 6 semanas sem estresse, os hábitos mal adaptativos diminuíram.


Simulação de objetivos (visualização de metas futuras) é uma ferramenta poderosa, com benefícios terapêuticos em comportamentos aditivos.


Intervenções motivacionais, como feedback estruturado e incentivos monetários, também auxiliam na inibição de hábitos. A gestão de contingências, que recompensa comportamentos específicos, é amplamente utilizada em transtornos relacionados ao uso de substâncias.


Técnicas como estimulação transcraniana de corrente contínua no córtex pré-frontal dorsolateral (dlPFC) têm demonstrado melhorar o controle proativo. Essas intervenções são promissoras no manejo de transtornos comportamentais e aditivos.


Formar hábitos concorrentes, ou "substituição de hábitos", é uma estratégia complementar que envolve a criação de associações S–R alternativas.


A combinação de inibição direcionada a objetivos e substituição de hábitos representa um avanço no tratamento de hábitos problemáticos. Terapias como a cognitivo-comportamental e técnicas de estimulação cerebral já integram esses princípios, fornecendo intervenções robustas para uma variedade de transtornos, como ansiedade, vícios e compulsões.


As abordagens futuras visam explorar ainda mais as interações entre sistemas direcionados a estímulos e objetivos, melhorando nossa compreensão sobre como moldar o comportamento humano. 

(A) A expressão do hábito é influenciada pelo tempo de preparação da resposta. O sistema de controle orientado a estímulos se envolve rapidamente, tornando a expressão do hábito mais pronunciada em tempos mais curtos de preparação da resposta. Em contraste, o sistema orientado a objetivos requer mais tempo para se envolver totalmente, inibindo efetivamente a expressão do hábito em tempos mais longos de preparação da resposta. (B) A força do sistema orientado a estímulos pode variar (por exemplo, aumenta com a repetição), tornando a expressão do hábito mais provável, especialmente em tempos mais curtos de preparação da resposta. (C) A força do sistema orientado a objetivos também pode variar (por exemplo, pode ser menor sob condições de estresse ou em indivíduos com transtorno obsessivo-compulsivo, TOC), levando ao aumento da expressão do hábito, mesmo em tempos mais longos de preparação da resposta.



LEIA MAIS:


Leveraging cognitive neuroscience for making and breaking real-world habits

Eike K. Buabang,  Kelly R. Donegan, Parnian Rafei, and Claire M. Gillan

Cell, November 04, 2024

DOI: 10.1016/j.tics.2024.10.006


Abstract:


Habits are the behavioral output of two brain systems. A stimulus–response (S–R) system that encourages us to efficiently repeat well-practiced actions in familiar settings, and a goal-directed system concerned with flexibility, prospection, and planning. Getting the balance between these systems right is crucial: an imbalance may leave people vulnerable to action slips, impulsive behaviors, and even compulsive behaviors. In this review we examine how recent advances in our understanding of these competing brain mechanisms can be harnessed to increase the control over both making and breaking habits. We discuss applications in everyday life, as well as validated and emergent interventions for clinical populations affected by the balance between these systems. As research in this area accelerates, we anticipate a rapid influx of new insights into intentional behavioral change and clinical interventions, including new opportunities for personalization of these interventions based on the neurobiology, environmental context, and personal preferences of an individual.

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