Com Miniaturas de Orgãos: Circuito da Dor Humana é Reconstruído em Laboratório Pela Primeira Vez
- Lidi Garcia
- há 5 dias
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Cientistas conseguiram recriar em laboratório, com miniaturas de órgãos feitos de células-tronco, o caminho que a dor e o tato percorrem do corpo até o cérebro. Esse modelo ajuda a entender melhor como sentimos dor e por que algumas pessoas não sentem nada ou sentem dor demais. A descoberta pode acelerar a criação de novos tratamentos para distúrbios sensoriais.
Nosso corpo é cheio de sensores que detectam coisas como dor, calor, pressão e movimento. Essas informações saem da pele e de outros órgãos e sobem até o cérebro através de um “caminho” formado por células nervosas. Esse caminho é chamado de via somatossensorial ascendente.
Esses sinais começam em células nervosas especiais localizadas perto da medula espinhal (em regiões chamadas gânglios da raiz dorsal e gânglios trigeminais).
Essas células captam estímulos do corpo e os mandam para a medula espinhal e uma parte do cérebro chamada rombencéfalo.
De lá, as informações seguem para o tálamo, uma central de retransmissão do cérebro, e finalmente chegam ao córtex cerebral, onde viram percepção consciente (como sentir dor ou toque).

Problemas genéticos ou ambientais nessas rotas podem causar distúrbios neurológicos, como dor crônica ou alterações sensoriais comuns no autismo. Apesar de sua importância, ainda sabemos pouco sobre como essas vias se formam no desenvolvimento humano, e por que às vezes falham.

Diagrama ilustrando a rota da via de transmissão ascendente
Um grande obstáculo para estudar isso é que os modelos usados em laboratório, como camundongos, não são tão parecidos com os humanos nesse aspecto. Além disso, ainda não conseguimos observar todos os componentes dessas vias funcionando ao mesmo tempo em nenhum animal.
Mas há boas notícias. Com o avanço da ciência, os pesquisadores estão agora usando organoides, estruturas feitas a partir de células-tronco que imitam partes do corpo em miniatura, para montar essas vias em laboratório, sem precisar de um corpo completo. Quando vários tipos de organoides são conectados entre si para simular circuitos mais complexos, eles são chamados de assembloides.

Diagram courtesy of Dr. Sergiu Paşca, Stanford University
Um grupo de cientistas já havia conseguido montar um assembloide que simula os sinais do cérebro até o músculo (via descendente). Agora, eles foram além e criaram uma estrutura ainda mais complexa: um assembloide de quatro partes, chamado hASA (assembloide somatossensorial ascendente humano), que simula a via da dor e do tato até o cérebro.
Eles fizeram isso conectando:
Organoides sensoriais(hSeO), que sentem estímulos;
Organoides da medula espinhal (hdSpO), que recebem os sinais sensoriais;
Organoides do tálamo (hDiO), que retransmitem os sinais;
Organoides do córtex cerebral (hCO), onde a informação é percebida.

Geração e caracterização funcional do hASA.
Quando esses organoides foram estimulados com substâncias químicas parecidas com as da dor, os sinais realmente viajaram pelo caminho completo, como acontece no corpo humano. E mais: os cientistas conseguiram observar essa atividade com câmeras especiais que captam cálcio (um indicador de atividade elétrica entre os neurônios).
Eles também testaram o efeito de alterações genéticas ligadas à dor. Quando simularam uma mutação que causa insensibilidade congênita à dor, os sinais não se espalharam corretamente entre os organoides. Já uma mutação que causa dor extrema provocou uma atividade exagerada nos caminhos sensoriais, como se os nervos estivessem hiperativos.

Atividade anormal de cálcio em assembloides com mutacao patogênica de do gene SCN9A T1464I que causa dor extrema.
Esse tipo de experimento mostra que é possível simular e estudar doenças humanas de forma precisa em laboratório, sem depender de animais ou ensaios muito limitados. Essa tecnologia pode ajudar a entender como sentimos dor e, no futuro, acelerar o desenvolvimento de novos tratamentos para distúrbios sensoriais.
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Human assembloid model of the ascending neural sensory pathway
Ji-il Kim, Kent Imaizumi, Ovidiu Jurjuț, Kevin W. Kelley, Dong Wang, Mayuri Vijay Thete, Zuzana Hudacova, Neal D. Amin, Rebecca J. Levy, Grégory Scherrer and Sergiu P. Pașca
Nature. 9 April 2025DOI: 10.1038/s41586-025-08808-3
Abstract
Somatosensory pathways convey crucial information about pain, touch, itch and body part movement from peripheral organs to the central nervous system1,2. Despite substantial needs to understand how these pathways assemble and to develop pain therapeutics, clinical translation remains challenging. This is probably related to species-specific features and the lack of in vitro models of the polysynaptic pathway. Here we established a human ascending somatosensory assembloid (hASA), a four-part assembloid generated from human pluripotent stem cells that integrates somatosensory, spinal, thalamic and cortical organoids to model the spinothalamic pathway. Transcriptomic profiling confirmed the presence of key cell types of this circuit. Rabies tracing and calcium imaging showed that sensory neurons connect to dorsal spinal cord neurons, which further connect to thalamic neurons. Following noxious chemical stimulation, calcium imaging of hASA demonstrated a coordinated response. In addition, extracellular recordings and imaging revealed synchronized activity across the assembloid. Notably, loss of the sodium channel NaV1.7, which causes pain insensitivity, disrupted synchrony across hASA. By contrast, a gain-of-function SCN9A variant associated with extreme pain disorder induced hypersynchrony. These experiments demonstrated the ability to functionally assemble the essential components of the human sensory pathway, which could accelerate our understanding of sensory circuits and facilitate therapeutic development.
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