
O estudo demonstrou que a administração intranasal do COG-201, um shRNA projetado para silenciar o gene HTR2A, reduziu significativamente a ansiedade e melhorou a memória em camundongos e ratos. Esses achados sugerem que o COG-201 pode se tornar uma abordagem terapêutica promissora para tratar simultaneamente déficits cognitivos e transtornos de ansiedade, abrindo caminho para novas estratégias no combate a doenças neurodegenerativas.
Transtornos neurológicos, como o comprometimento cognitivo leve (CCL) e a ansiedade crônica, são um grande desafio de saúde pública, afetando milhões de pessoas em todo o mundo.
O comprometimento cognitivo leve é um estágio intermediário entre o envelhecimento normal e a demência, sendo caracterizado por dificuldades cognitivas leves, mas perceptíveis, que não interferem gravemente nas atividades diárias.
Estudos indicam que a prevalência de comprometimento cognitivo leve varia entre 5% e 36,7%, dependendo dos critérios de diagnóstico utilizados. Além disso, aproximadamente 21% das pessoas com comprometimento cognitivo leve também sofrem de ansiedade.
Considerando esses números, estima-se que entre 1,5 e 2 milhões de americanos possam ter comprometimento cognitivo leve acompanhado de um transtorno de ansiedade. Atualmente, não existe um medicamento que trate simultaneamente tanto o comprometimento cognitivo quanto a ansiedade nessas pessoas.

Diante dessa lacuna terapêutica, novas abordagens baseadas em biotecnologia de precisão, como a interferência de RNA (RNAi), estão sendo exploradas como possíveis soluções.
A interferência de RNA é um processo celular natural que pode ser usado para "desligar" genes específicos, impedindo a produção de proteínas associadas a doenças. Uma das formas mais promissoras dessa tecnologia é o RNA de grampo curto (shRNA), uma pequena sequência de RNA projetada para se ligar a um gene-alvo e impedir sua expressão.
No presente estudo, cientistas da University of California, USA, desenvolveram um shRNA para silenciar o gene HTR2A, responsável por codificar o receptor de serotonina 5-HT2A. Esse receptor tem sido associado tanto a transtornos de ansiedade quanto à memória.
O RNA de grampo curto foi inserido dentro de um vetor viral do tipo AAV9, um vírus modificado que serve como transportador do material genético. O DNA dentro do vírus foi projetado para ser ativado apenas em células neuronais, utilizando um promotor específico chamado MeCP2.
Esse complexo genético, denominado COG-201, foi administrado por via intranasal em camundongos e ratos, levando a uma redução significativa da ansiedade e a uma melhora no desempenho dos animais em testes de memória.
Para avaliar os efeitos do COG-201 de maneira mais aprofundada, os pesquisadores analisaram o comportamento e a atividade cerebral dos animais antes e depois do tratamento. Os testes de memória foram feitos utilizando um modelo de reconhecimento de novos objetos, onde os animais exploram um ambiente contendo um objeto familiar e um novo objeto.

RNA de grampo curto (shRNA)
Normalmente, animais com boa memória passam mais tempo explorando o novo objeto, enquanto aqueles com déficit cognitivo tendem a não diferenciar os dois. Os resultados mostraram que camundongos tratados com COG-201 tiveram um aumento significativo no índice de discriminação, ou seja, passaram mais tempo interagindo com o objeto novo, indicando uma melhora na retenção da memória.
Em contraste, o grupo controle (que recebeu apenas um veículo sem o shRNA ativo) apresentou um índice de discriminação negativo, sugerindo que os animais não conseguiam lembrar do objeto familiar ou estavam sob influência de ansiedade e estresse.
Além dos testes comportamentais, foram realizados experimentos com neurônios corticais primários de camundongos em laboratório. Esses neurônios foram tratados com COG-201 e depois analisados quanto à sua atividade elétrica, um parâmetro fundamental para entender o funcionamento do cérebro.
A técnica utilizada, chamada de matriz multieletrodo (MEA), mede a quantidade e a frequência dos impulsos elétricos gerados pelos neurônios.

Matrizes de múltiplos eletrodos (MEA). A imagem apresenta um diagrama de MEAs (linha superior), uma fotografia de um MEA que descreve mais claramente a placa de cultura situada acima da matriz de eletrodos (esquerda da linha do meio) e uma micrografia de aglomerados neuronais dentro do MEA. O painel inferior apresenta uma imagem de neurônios com maior ampliação. Imagem: Thomas B. Shea
Os resultados mostraram que a expressão do gene HTR2A foi reduzida significativamente nos neurônios tratados, o que levou a uma diminuição na atividade elétrica espontânea dessas células.
Foram observadas quedas significativas em diversos parâmetros, como o número de picos elétricos, a taxa média de disparo neuronal e o índice de sincronia neural, indicando uma redução na hiperatividade neuronal associada a transtornos de ansiedade.
Curiosamente, houve um aumento no número de rajadas de rede, o que pode indicar um mecanismo compensatório do cérebro para equilibrar a atividade neuronal e otimizar a comunicação entre os neurônios.

Tratamento de neurônios corticais primários de camundongos com COG-201 leva à redução do receptor 5-HT2A. Imagens representativas de imunofluorescência em neurônios de camundongos após um tratamento de 10 dias com partículas virais vazios (A–D) ou COG-201 (E–H). A fluorescência verde representa a expressão de COG-201 (B e F), enquanto a fluorescência vermelha é indicativa da proteína do receptor 5-HT2A.
A combinação de evidências obtidas tanto in vivo (em camundongos vivos) quanto in vitro (em culturas de neurônios) sugere que o COG-201 tem um forte potencial terapêutico para tratar simultaneamente a ansiedade e os déficits de memória.
A administração intranasal desse tratamento representa uma grande vantagem, pois é uma forma não invasiva, permitindo que o shRNA alcance diretamente o cérebro sem a necessidade de procedimentos cirúrgicos.
Além disso, ao modular um gene específico relacionado à ansiedade e à cognição, essa abordagem evita os efeitos colaterais sistêmicos comuns em medicamentos tradicionais que afetam múltiplos sistemas do organismo.
Se os resultados observados nos modelos animais puderem ser replicados em humanos, o COG-201 poderá abrir caminho para o desenvolvimento de novos tratamentos para transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e déficits cognitivos associados ao envelhecimento e doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer.
LEIA MAIS:
Treatment with shRNA to knockdown the 5-HT2A receptor improves memory in vivo and decreases excitability in primary cortical neurons
Troy T. Rohn, Dean Radin, Tracy Brandmeyer, Peter G. Seidler, Barry J. Linder, Tom Lytle, David Pyrce, John L. Mee, and Fabio Macciardi
Genomic Psychiatry
Abstract:
Short hairpin RNAs (shRNA), targeting knockdown of specific genes, hold enormous promise for precision-based therapeutics to treat numerous neurodegenerative disorders. We designed an AAV9-shRNA targeting the downregulation of the 5-HT2A receptor, and recently demonstrated that intranasal delivery of this shRNA (referred to as COG-201), decreased anxiety and enhanced memory in mice and rats. In the current study, we provide additional in vivo data supporting a role of COG-201 in enhancing memory and functional in vitro data, whereby knockdown of the 5-HT2A receptor in primary mouse cortical neurons led to a significant decrease in mRNA expression (p = 0.0007), protein expression p-value = 0.0002, and in spontaneous electrical activity as measured by multielectrode array. In this regard, we observed a significant decrease in the number of spikes (p-value = 0.002), the mean firing rate (p-value = 0.002), the number of bursts (p-value = 0.015), and a decrease in the synchrony index (p-value = 0.005). The decrease in mRNA and protein expression, along with reduced spontaneous electrical activity in primary mouse cortical neurons, corroborate our in vivo findings and underscore the efficacy of COG-201 in decreasing HTR2A gene expression. This convergence of in vitro and in vivo evidence solidifies the potential of COG-201 as a targeted therapeutic strategy. The ability of COG-201 to decrease anxiety and enhance memory in animal models suggests that similar benefits might be achievable in humans. This could lead to the development of new treatments for conditions like generalized anxiety disorder, post-traumatic stress disorder (PTSD), and cognitive impairments associated with aging or neurodegenerative diseases.
Comments