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Resumo:
Pesquisadores da King’s College London avançaram na reprogramação celular, transformando células gliais em neurônios funcionais diretamente no cérebro. Usando uma variante modificada do fator de transcrição Ascl1 (Ascl1SA6) e a proteína Bcl2, eles aumentaram a eficiência dessa conversão e geraram neurônios funcionais com características específicas de interneurônios FS/PV, importantes para o equilíbrio dos circuitos cerebrais.
Nosso cérebro é composto por diferentes tipos de células que trabalham juntas para garantir o funcionamento adequado do sistema nervoso. Dentre elas, temos os neurônios, responsáveis por transmitir informações, e as células gliais, que dão suporte estrutural e funcional aos neurônios.
Durante a vida, algumas regiões do cérebro têm pouca ou nenhuma capacidade de regenerar neurônios, especialmente após danos ou doenças.
Diante disso, cientistas têm buscado maneiras inovadoras de "reprogramar" células gliais, transformando-as em novos neurônios funcionais para reparar tecidos e restaurar circuitos cerebrais prejudicados.
A ideia de reprogramar células gliais em neurônios já havia sido demonstrada em laboratório (in vitro). No entanto, a aplicação direta no cérebro de organismos vivos (in vivo) traz desafios significativos, incluindo confirmar que os novos neurônios realmente se originam das células gliais e não de outros tipos celulares do ambiente.
Para isso, pesquisadores vêm utilizando ferramentas avançadas, como rastreamento genético, que permite acompanhar e confirmar a origem das células reprogramadas.
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Um dos principais focos da pesquisa é o uso do fator de transcrição Ascl1, uma proteína que controla a expressão de genes envolvidos no desenvolvimento e especificação de neurônios.
O Ascl1 já mostrou ser eficaz em transformar células gliais em neurônios, mas sua eficiência e consistência dependem muito do contexto biológico e das condições específicas.
Recentemente, cientistas da King’s College London modificaram o Ascl1 de camundongos para torná-lo mais eficiente. Essa variante mutante, chamada Ascl1SA6, foi criada ao alterar seis locais da proteína que normalmente seriam regulados por fosforilação, um processo químico que pode limitar sua capacidade de reprogramação.
Com essas alterações, a variante mostrou maior estabilidade e eficácia na indução de novos neurônios a partir de astrócitos, um tipo de célula glial comum no cérebro.
Além disso, os pesquisadores combinaram o Ascl1SA6 com outra proteína, o Bcl2, conhecida por ajudar na sobrevivência celular. Essa combinação não apenas aumentou a taxa de conversão de glia em neurônios, mas também gerou células altamente funcionais, capazes de disparar sinais elétricos e se comportar como neurônios maduros.
Os experimentos revelaram que a maioria dos novos neurônios gerados (chamados de neurônios induzidos, ou iNs) veio de astrócitos, enquanto poucos se originaram de células progenitoras de oligodendrócitos (OPCs).
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A coexpressão de Ascl1SA6 e Bcl2 reprograma eficientemente a glia cortical pós-natal em iNs.
(A) Desenho experimental. Construções retrovirais que codificam Ascl1 ou Ascl1SA6 e Bcl2 foram injetadas no córtex de camundongos wt (C57BL/6J) após 5 dias do nascimento. A análise imuno-histoquímica foi realizada em 12 ou 28 dpi. (B) Imagem de baixa ampliação mostrando células transduzidas por Ascl1 ou Ascl1SA6/Bcl2 em 12 dpi. Imagens de alta ampliação representando a expressão de Dcx em células cotransduzidas. Observe a aquisição de morfologia neuronal conspícua em iNs Ascl1SA6/Bcl2 (setas). Células transduzidas apenas com Bcl2 (apenas GFP+ (verdes)) mantiveram a morfologia glial (pontas de seta). (C) A 28 dpi, a grande maioria dos iNs Ascl1SA6/Bcl2 expressou NeuN, enquanto os iNs Ascl1/Bcl2 não expressaram esse marcador neuronal e mantiveram a morfologia glial. As setas vazias indicam células negativas para marcadores. (D) Proporção de células duplamente transduzidas expressando Dcx (marcador geral de neurônios), NeuN (marcador de neurônio maduro) ou ambos os marcadores neuronais a 12 dpi (gráfico à esquerda) e células duplamente transduzidas expressando NeuN (gráfico à direita) a 28 dpi. dpi = dias após a injeção
Além disso, esses novos neurônios apresentaram características específicas de interneurônios FS/PV (neurônios inibitórios rápidos associados à proteína parvalbumina), que desempenham um papel crucial na regulação da atividade cerebral e estão frequentemente implicados em distúrbios neuropsiquiátricos, como esquizofrenia e autismo, alem da epilepsia.
Os testes confirmaram que a conversão de glia em neurônios era autêntica, ou seja, não envolvia células pré-existentes. Isso foi comprovado usando marcadores genéticos e técnicas que rastreavam a linhagem celular.
Além disso, foi observado que os novos neurônios exibiam propriedades elétricas e químicas funcionais, demonstrando que poderiam integrar-se aos circuitos do cérebro.
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A coexpressão forçada de Ascl1SA6 e Bcl2 converte a glia cortical pós-natal em iNs expressando GABA e PV. (A) Células transduzidas por Ascl1/Bcl2 não expressam GABA (esquerda), em contraste com a aquisição da expressão de GABA em iNs Ascl1SA6/Bcl2 (direita), 28 dpi. As setas indicam iNs sem GABA (seta vazia inserida) ou contendo GABA (seta preenchida inserida). (B) Proporção de células duplamente transduzidas expressando GABA após a reprogramação de Ascl1/Bcl2 ou Ascl1SA6/Bcl2 em 28 dpi. (D) Análise da expressão de PV em células transduzidas por Ascl1/Bcl2 (esquerda) e Ascl1SA6/Bcl2 iNs em 28 dpi. As setas indicam iNs sem PV (inserção, seta vazia) ou contendo PV (inserção, seta preenchida). (E) Proporção de células duplamente transduzidas expressando PV em 28 dpi. (F) As células transduzidas por Ascl1/Bcl2 (esquerda) não possuem mRNA de Pvalb, enquanto as iNs de Ascl1SA6/Bcl2 (direita) expressam mRNA de Pvalb já em 12 dpi. As setas vazias indicam células negativas para marcadores. (G) Quantificação de transcrições de mRNA de Pvalb expressas como o número total de pontos detectados por célula individual em células transduzidas por Ascl1/Bcl2, Ascl1SA6/Bcl2 e interneurônios PV endógenos circundantes.
Apesar dos avanços, os cientistas notaram que muitos dos neurônios reprogramados não sobreviviam a longo prazo, sugerindo a necessidade de melhorar o ambiente cerebral para apoiar sua maturação e integração.
Além disso, a técnica usada neste estudo (retrovírus) só pode atingir células gliais em proliferação ativa, limitando sua aplicação a cérebros em desenvolvimento ou lesionados.
Estudos futuros deverão explorar como reprogramar astrócitos totalmente maduros em cérebros intactos, o que pode exigir intervenções adicionais para superar as barreiras impostas pela maturidade celular.
Este estudo representa um passo importante na transformação de células gliais em neurônios funcionais. A variante Ascl1SA6 demonstrou ser uma ferramenta promissora para reprogramação neuronal, abrindo caminho para novas terapias destinadas a restaurar circuitos cerebrais danificados em condições como epilepsia, lesões cerebrais traumáticas e doenças neurodegenerativas.
Embora desafios permaneçam, essas descobertas destacam o potencial da engenharia celular para revolucionar o tratamento de doenças neurológicas e psiquiátricas no futuro.
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Reprogramming astroglia into neurons with hallmarks of fast-spiking parvalbumin-positive interneurons by phospho-site–deficient Ascl1
Nicolás Marichal, Sophie Péron, Ana Beltrán Arranz, Chiara Galante, Franciele Franco Scarante, Rebecca Wiffen, Carol Schuurmans, Marisa Karow, Sergio Gascón, and Benedikt Berninger
SCIENCE ADVANCES. 25 Oct 2024. Vol 10, Issue 43
DOI: 10.1126/sciadv.adl5935
Abstract
Cellular reprogramming of mammalian glia to an induced neuronal fate holds the potential for restoring diseased brain circuits. While the proneural factor achaete-scute complex-like 1 (Ascl1) is widely used for neuronal reprogramming, in the early postnatal mouse cortex, Ascl1 fails to induce the glia-to-neuron conversion, instead promoting the proliferation of oligodendrocyte progenitor cells (OPC). Since Ascl1 activity is posttranslationally regulated, here, we investigated the consequences of mutating six serine phospho-acceptor sites to alanine (Ascl1SA6) on lineage reprogramming in vivo. Ascl1SA6 exhibited increased neurogenic activity in the glia of the early postnatal mouse cortex, an effect enhanced by coexpression of B cell lymphoma 2 (Bcl2). Genetic fate-mapping revealed that most induced neurons originated from astrocytes, while only a few derived from OPCs. Many Ascl1SA6/Bcl2-induced neurons expressed parvalbumin and were capable of high-frequency action potential firing. Our study demonstrates the authentic conversion of astroglia into neurons featuring subclass hallmarks of cortical interneurons, advancing our scope of engineering neuronal fates in the brain.
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