top of page

Axônios e os "Colares de Pérolas": uma Nova visão sobre os Neurônios



Resumo:

Pesquisas recentes sugerem que os axônios, tradicionalmente vistos como estruturas lisas, podem apresentar uma forma de "fio de pérolas", com pequenas protuberâncias que influenciam a velocidade e a precisão dos sinais elétricos. Esse formato, possivelmente conservado ao longo da evolução, foi observado em diferentes espécies e pode ser causado por instabilidades físicas em membranas sob tensão. Apesar de controvérsias sobre se essas "pérolas" refletem o estado natural dos axônios ou são efeitos do preparo das amostras, estudos indicam que essa morfologia pode ter um papel funcional importante na condução de sinais nervosos e na plasticidade cerebral.


Quando você imagina um neurônio, é provável que pense em algo como o desenho clássico dos livros de biologia: uma célula com corpo arredondado e ramificações longas, incluindo uma estrutura principal chamada axônio. 


O axônio é responsável por conduzir sinais elétricos, conectando neurônios para que possam se comunicar. Tradicionalmente, acredita-se que os axônios têm um formato tubular liso.

Mas uma nova pesquisa sugere algo surpreendente: em vez de serem lisos, axônios podem ter uma aparência parecida com um colar de pérolas.


Esse estudo publicado na renomada revista Nature Genetics, liderado por Shigeki Watanabe, da Universidade Johns Hopkins, usou uma técnica avançada chamada congelamento de alta pressão para preservar a estrutura dos neurônios de ratos e examiná-los ao microscópio eletrônico. 


Essa técnica revelou que os axônios apresentam pequenas "pérolas" regularmente espaçadas, cada uma com cerca de 200 nanômetros de diâmetro. Segundo os pesquisadores, essas "pérolas" não são causadas por danos ou estresse, mas podem ser um estado natural dos axônios.


Os cientistas descobriram que essas protuberâncias têm uma função importante: influenciam a velocidade com que os sinais elétricos viajam pelos axônios. Quando as "pérolas" estão mais próximas umas das outras, o sinal se move mais devagar. Quando estão mais afastadas, o sinal viaja mais rápido. 


Isso sugere que o formato dos axônios pode mudar dinamicamente para ajustar a comunicação entre os neurônios, especialmente quando o cérebro está processando uma grande quantidade de informações.

Imagens microscópicas de neurônios de camundongos preservados com uma técnica chamada congelamento de alta pressão revelaram uma estrutura de colar de pérolas que os pesquisadores acreditam que pode ser o formato natural das células. Fonte: Griswold et al.


Essa descoberta é uma reviravolta na forma como entendemos os neurônios e como eles funcionam. Há décadas, a ciência sabia que axônios podiam desenvolver "protuberâncias" temporárias, chamadas "contas de estresse", em condições de doença ou estresse celular. 


Essas contas podem impedir que danos se espalhem pelo neurônio. Porém, o estudo de Watanabe sugere que as "pérolas" recém-observadas são algo completamente diferente: uma característica natural que ajuda os axônios a desempenhar seu papel no cérebro de maneira mais eficiente.


Nem todos os especialistas concordam com essa interpretação, um artigo publicado em outra renomada revista a Science trás alguns dos questionadores. Alguns questionam se as "pérolas" vistas no estudo são um efeito colateral da técnica de preservação utilizada, embora a equipe de Watanabe também tenha observado estruturas semelhantes em neurônios vivos, sem usar métodos químicos ou de congelamento. 


Outros pesquisadores argumentam que axônios não são completamente lisos, mas também não concordam totalmente com a ideia do "colar de pérolas”. “Acho que é verdade que [o axônio] não é um tubo perfeito, mas também não é apenas esse tipo de acordeão que eles mostram”, diz o neurocientista Christophe Leterrier, da Universidade de Aix-Marseille, que chama o estudo de “uma adição controversa à literatura”.


Embora existam dúvidas, estudos similares já observaram estruturas parecidas em outros animais, como vermes e águas-vivas. Isso indica que a formação de "pérolas" nos axônios pode ser um fenômeno amplamente conservado ao longo da evolução, possivelmente desempenhando um papel funcional importante.


“O formato de contas em si não é surpreendente”, explica Pramod Pullarkat, biofísico do Raman Research Institute. Ele tem investigado as forças físicas envolvidas nesse fenômeno e aponta que estudos crescentes sugerem que essas "pérolas" podem surgir devido à chamada "instabilidade de pérolas" — um fenômeno físico em que uma estrutura cilíndrica sob tensão desenvolve rugosidades ou protuberâncias.


Pullarkat admite que "é bem possível" que esse padrão seja o estado normal dos axônios, embora enfatize que mais pesquisas sejam necessárias para confirmar essa hipótese.


Os axônios são estruturas extremamente finas e flexíveis, e seu formato é influenciado por forças físicas, como a tensão da membrana celular e a rigidez do esqueleto interno da célula (citoplasma). Estudos anteriores já mostraram que mudanças no formato dos axônios, mesmo que pequenas, podem afetar significativamente a velocidade dos sinais elétricos. Por exemplo, quando a membrana é puxada ou tensionada, axônios podem formar protuberâncias como as "pérolas".


A pesquisa também revelou que alterações nos componentes da membrana, como o colesterol, podem mudar o tamanho e a forma das "pérolas". Isso levanta uma questão fascinante: será que o cérebro ajusta intencionalmente o formato dos axônios para otimizar sua comunicação?


Embora ainda existam debates sobre o que essas "pérolas" realmente significam, os cientistas concordam que elas abrem uma nova janela para entender como os neurônios funcionam. A próxima etapa será estudar essas estruturas em cérebros humanos vivos, o que atualmente é um desafio tecnológico. 


No entanto, o trabalho atual já oferece pistas importantes sobre como o formato dos axônios pode influenciar a forma como pensamos, sentimos e processamos informações.

No fim, essa pesquisa mostra que, mesmo após décadas de estudos, o cérebro ainda guarda muitos segredos que podem transformar nosso entendimento sobre a vida.

a) Micrografias eletrônicas representativas de tecido cerebral de camundongo extraído agudamente (esquerda), culturas de fatias organotípicas de hipocampo de camundongo (meio) e cultura neuronal dissociada de hipocampo de camundongo após congelamento de alta pressão. b) Imagens de alta ampliação de axônios representativas de cada condição. c) Um esquema mostrando dois NSVs flanqueados por um conector. Os pontos de inflexão definem o limite entre essas duas características. d) Gráficos mostrando as dimensões de NSVs (esquerda) e conectores (direita) dos tipos de tecido indicados. As dimensões são medidas de três amostras independentes para tecido cerebral extraído agudamente e cultura de neurônios dissociados e uma para fatias organotípicas; n = 30 axônios de cada amostra extraída agudamente, n = 133 axônios da  amostra organotípica e n = 100 axônios de cada amostra dissociada.



LEIA MAIS:


Artigo 1:

Science, Vol 386, Issue 6726.



Artigo 2:

Membrane mechanics dictate axonal pearls-on-a-string morphology and function

Jacqueline M. Griswold, Mayte Bonilla-Quintana, Renee Pepper, Christopher T. Lee, Sumana Raychaudhuri, Siyi Ma, Quan Gan, Sarah Syed, Cuncheng Zhu, Miriam Bell, Mitsuo Suga, Yuuki Yamaguchi, Ronan Chéreau, U. Valentin Nägerl, Graham Knott, Padmini Rangamani & Shigeki Watanabe 


Abstract:


Axons are ultrathin membrane cables that are specialized for the conduction of action potentials. Although their diameter is variable along their length, how their morphology is determined is unclear. Here, we demonstrate that unmyelinated axons of the mouse central nervous system have nonsynaptic, nanoscopic varicosities ~200 nm in diameter repeatedly along their length interspersed with a thin cable ~60 nm in diameter like pearls-on-a-string. In silico modeling suggests that this axon nanopearling can be explained by membrane mechanical properties. Treatments disrupting membrane properties, such as hyper- or hypotonic solutions, cholesterol removal and nonmuscle myosin II inhibition, alter axon nanopearling, confirming the role of membrane mechanics in determining axon morphology. Furthermore, neuronal activity modulates plasma membrane cholesterol concentration, leading to changes in axon nanopearls and causing slowing of action potential conduction velocity. These data reveal that biophysical forces dictate axon morphology and function, and modulation of membrane mechanics likely underlies unmyelinated axonal plasticity.

Comments


bottom of page