Resumo:
O transtorno bipolar (TB), que afeta 1% da população, é frequentemente confundido com transtorno depressivo maior (TDM) devido a sintomas semelhantes e à predominância de consultas durante episódios depressivos. Pesquisadores da University of Cambridge identificaram um painel de biomarcadores em amostras de sangue que pode diferenciar TB de TDM com boa precisão.
O transtorno bipolar (TB) é uma condição neuropsiquiátrica que afeta cerca de 1% da população mundial, mas apresenta desafios significativos no diagnóstico devido à sua semelhança com outros transtornos, como o transtorno depressivo maior (TDM).
Cerca de 40% dos pacientes com TB inicialmente recebem um diagnóstico incorreto de TDM, o que ocorre porque muitos buscam atendimento médico durante episódios depressivos, enquanto os episódios maníacos — uma característica distintiva do TB — podem ser menos percebidos ou relatados.
Além disso, as avaliações psiquiátricas frequentemente dependem de relatos subjetivos, o que complica ainda mais a identificação correta.
Para superar esses desafios, pesquisadores estão explorando o uso de biomarcadores — moléculas biológicas encontradas no sangue ou em outros fluidos corporais que podem indicar processos específicos no organismo.
Biomarcadores têm o potencial de fornecer um método objetivo e precoce para diferenciar TB de TDM, superando a subjetividade dos métodos tradicionais.
No entanto, estudos anteriores enfrentaram obstáculos, como a interferência de medicamentos estabilizadores de humor e a falta de coortes de validação independentes.
Pesquisadores da University of Cambridge conduziram um estudo para abordar essas limitações, usando análises metabolômicas de manchas de sangue seco (DBS).
Este estudo faz parte do projeto Delta, realizado no Reino Unido entre 2018 e 2020, e foi projetado para identificar biomarcadores específicos capazes de diferenciar TB de TDM em pacientes inicialmente diagnosticados incorretamente.
Os participantes foram recrutados online e incluíam pessoas com diagnóstico recente de TDM (nos últimos cinco anos) que apresentavam sintomas depressivos no momento.
Eles completaram um questionário adaptativo com 635 perguntas, abordando desde bem-estar mental até aspectos de humor, como itens do Questionário de Transtornos de Humor (MDQ). Além disso, amostras de sangue em jejum foram coletadas via kits enviados pelo correio.
Essas amostras foram analisadas para identificar 630 diferentes metabólitos, utilizando uma plataforma avançada de espectrometria de massa. Diagnósticos de transtornos de humor foram posteriormente confirmados por entrevistas telefônicas usando o Composite International Diagnostic Interview (CIDI), um padrão de referência para diagnóstico clínico.
O estudo analisou duas coortes:
1 - Cohorte de descoberta: 241 participantes, dos quais 67 foram posteriormente diagnosticados com TB e 174 confirmados com TDM.
2 - Cohorte de validação: 30 participantes, dos quais 9 tinham TB e 21 tinham TDM.
A análise revelou um painel de 17 biomarcadores que ajudaram a distinguir TB de TDM, com uma precisão avaliada por meio da curva característica de operação do receptor (AUROC) de 0,71 — indicando bom desempenho diagnóstico.
O biomarcador mais forte identificado foi a ceramida d18:0/24:1, uma molécula envolvida em processos celulares e inflamatórios.
Assinatura Metabolômica de Mancha de Sangue Seco Distinguindo Transtorno Bipolar de Transtorno Depressivo Maior em Pacientes com Sintomas Depressivos Atuais. A) Área sob a curva característica de operação do receptor (AUROC) indicando desempenho diagnóstico do painel de biomarcadores identificado na coorte de descoberta (67 pacientes com TB diagnosticado incorretamente e 174 com TDM). B) AUROC na coorte de validação (9 pacientes com TB e 21 com TDM clinicamente diagnosticados com um transtorno de humor durante o período de acompanhamento de 1 ano). C) Importância relativa de biomarcadores individuais no modelo de classificação. GCA indica ácido glicocólico; 3-IAA, ácido indolacético; 3-IPA, ácido indolpropiônico; TMAO, N-óxido de trimetilamina.
Ao combinar os dados de biomarcadores com informações autorrelatadas pelos pacientes, o desempenho diagnóstico foi ainda mais aprimorado, demonstrando o valor de uma abordagem integrada.
Os biomarcadores identificados foram particularmente associados a episódios maníacos ao longo da vida, uma característica-chave do TB. Esses resultados foram validados em pacientes que receberam diagnósticos atualizados de TB ou TDM ao longo de um ano, com uma AUROC de 0,73 — reforçando a robustez do painel de biomarcadores.
Além de oferecer uma ferramenta promissora para diagnóstico diferencial, o estudo destacou o possível papel das ceramidas nos mecanismos fisiopatológicos subjacentes aos transtornos de humor, sugerindo novos caminhos para pesquisa e tratamento.
Esse estudo representa um avanço no desenvolvimento de testes acessíveis e objetivos para distinguir TB de TDM, potencialmente revolucionando a forma como esses transtornos são diagnosticados.
Ao reduzir diagnósticos errôneos, é possível melhorar os tratamentos e prognósticos, beneficiando diretamente os pacientes. Além disso, ao elucidar o papel das ceramidas, abre portas para novos tratamentos direcionados às vias metabólicas específicas envolvidas no TB.
LEIA MAIS:
Metabolomic Biomarker Signatures for Bipolar and Unipolar Depression
Jakub Tomasik; Scott J. Harrison; Nitin Rustogi; Tony Olmert; Giles Barton-Owen; Sung Yeon Sarah Han; Jason D. Cooper; Paweł Eljasz; Lynn P. Farrag; Lauren V. Friend; Emily Bell; Dan Cowell; Sabine Bahn
JAMA Psychiatry. 2024;81(1):101-106.
doi:10.1001/jamapsychiatry.2023.4096
Abstract:
Importance Bipolar disorder (BD) is frequently misdiagnosed as major depressive disorder (MDD) because of overlapping symptoms and the lack of objective diagnostic tools. To identify a reproducible metabolomic biomarker signature in patient dried blood spots (DBSs) that differentiates BD from MDD during depressive episodes and assess its added value when combined with self-reported patient information. This diagnostic analysis used samples and data from the Delta study, conducted in the UK between April 27, 2018, and February 6, 2020. The primary objective was to identify BD in patients with a recent (within the past 5 years) diagnosis of MDD and current depressive symptoms (Patient Health Questionnaire–9 score of 5 or more). Participants were recruited online through voluntary response sampling. The analysis was carried out between February 2022 and July 2023. Patient data were collected using a purpose-built online questionnaire (n = 635 questions). DBS metabolites (n = 630) were analyzed using a targeted mass spectrometry–based platform. Mood disorder diagnoses were established using the Composite International Diagnostic Interview. Of 241 patients in the discovery cohort, 170 (70.5%) were female; 67 (27.8%) were subsequently diagnosed with BD and 174 (72.2%) were confirmed as having MDD; and the mean (SD) age was 28.1 (7.1) years. Of 30 participants in the validation cohort, 16 (53%) were female; 9 (30%) were diagnosed with BD and 21 (70%) with MDD; and the mean (SD) age was 25.4 (6.3) years. DBS metabolite levels were assessed in 241 patients with depressive symptoms with a recent diagnosis of MDD, of whom 67 were subsequently diagnosed with BD by the Composite International Diagnostic Interview and 174 were confirmed as having MDD. The identified 17-biomarker panel provided a mean (SD) cross-validated area under the receiver operating characteristic curve (AUROC) of 0.71 (SD, 0.12; P < .001), with ceramide d18:0/24:1 emerging as the strongest biomarker. Combining biomarker data with patient-reported information significantly enhanced diagnostic performance of models based on extensive demographic data, PHQ-9 scores, and the outcomes from the Mood Disorder Questionnaire. The identified biomarkers were correlated primarily with lifetime manic symptoms and were validated in a separate group of patients who received a new clinical diagnosis of MDD (n = 21) or BD (n = 9) during the study’s 1-year follow-up period, with a mean (SD) AUROC of 0.73 (0.06; P < .001). This study provides a proof of concept for developing an accessible biomarker test to facilitate the differential diagnosis of BD and MDD and highlights the potential involvement of ceramides in the pathophysiological mechanisms of mood disorders.
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