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Autismo: Teste de sangue do cordão umbilical revela riscos precoces


Resumo:

Pesquisadores identificaram uma ligação entre níveis elevados de certos metabólitos no sangue de recém-nascidos e um aumento nos sintomas de transtorno do espectro autista (TEA) em crianças aos seis anos de idade. A análise de metabólitos específicos de ácidos graxos em amostras de sangue de recém-nascidos mostrou-se um indicador promissor para prever o risco de desenvolvimento de TEA. Esses achados reforçam a relevância de fatores biológicos e imunológicos durante a fase pré-natal para o desenvolvimento do transtorno.


O transtorno do espectro autista (TEA) é uma condição de desenvolvimento que afeta cerca de 1 em cada 44 crianças, sendo mais evidente entre os primeiros anos de vida até a infância.


O TEA envolve alterações no comportamento e na interação social e é frequentemente estudado para entender suas causas. Uma das hipóteses é que o TEA possa estar relacionado a uma “disfunção imunológica,” uma resposta alterada do sistema imunológico, que desempenha um papel importante no desenvolvimento do cérebro.


Pesquisas em cérebros de pessoas com TEA, após a morte, mostram sinais de “neuroinflamação” — ou seja, uma inflamação específica do tecido cerebral.


Nesses estudos, os cientistas observaram que certas células do sistema imunológico no cérebro, chamadas microglias, parecem estar “ativadas” ou em estado de alerta em maior quantidade. 


As microglias ajudam a proteger o cérebro e são responsáveis por "limpar" os tecidos, mas quando estão em constante estado de alerta, podem afetar o desenvolvimento cerebral.


Estudos também identificaram que a quantidade e o tipo de genes presentes nessas células correlacionam-se com a gravidade dos sintomas de TEA, sugerindo uma ligação entre inflamação cerebral e sintomas autistas.

Como o TEA começa a se desenvolver nas fases iniciais da vida, muitos estudos focam na gravidez e em fatores que podem impactar o desenvolvimento fetal.


Em experimentos com camundongos, cientistas expuseram as fêmeas grávidas a substâncias que desencadeiam inflamação e observaram que os filhotes desenvolvem comportamentos que se assemelham aos do TEA. 


Em humanos, a febre intensa e persistente em gestantes também foi associada ao aumento do risco de TEA em seus filhos, o que reforça a hipótese de que a inflamação durante a gestação pode ser um fator de risco.


Um grande estudo realizado na Noruega, o Norwegian Autism Birth Cohort, analisou 200 amostras de sangue do cordão umbilical e do sangue materno durante a gravidez.


Descobriram que altos níveis de certas substâncias imunológicas (como interleucina-1RA, fator de necrose tumoral-α, entre outras) estavam associados ao risco aumentado de TEA.


Estes fatores imunológicos são responsáveis por promover ou regular a inflamação e mostram que a “ativação imunológica materna” (MIA, em inglês) pode ser um fator-chave de risco para o desenvolvimento de TEA.


Os ácidos graxos poliinsaturados (PUFAs) desempenham papel importante na modulação de processos imunológicos. No contexto do TEA, um tipo específico de PUFA, conhecido como ácido araquidônico (AA), foi identificado em quantidades alteradas nas crianças com TEA, com uma proporção elevada de ácidos graxos do tipo ômega-6 em relação aos do tipo ômega-3. Esse desequilíbrio impacta a produção de moléculas envolvidas na inflamação.


Os PUFAs são processados no corpo por três caminhos principais, produzindo tanto compostos anti-inflamatórios quanto pró-inflamatórios.

Um desses compostos anti-inflamatórios, o ácido epoxieicosatrienoico (EET), é crucial para o desenvolvimento saudável do cérebro, ajudando, por exemplo, no crescimento dos neurônios.


Já os compostos inflamatórios, como os dióis (subprodutos de PUFAs), podem intensificar processos inflamatórios, o que impacta o sistema nervoso central.


Outro estudo investigou os efeitos do glifosato (um herbicida) na gravidez de camundongos. Quando expostos a altas concentrações de glifosato, os filhotes desenvolveram comportamentos semelhantes ao TEA, além de terem apresentado níveis alterados de EET e aumento nos dióis inflamatórios. 


No entanto, quando os camundongos receberam inibidores que bloqueiam a formação desses dióis, houve melhora nos comportamentos sociais dos filhotes, sugerindo que esses compostos inflamatórios podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento do TEA.


Em estudos com humanos, pesquisadores realizaram uma análise de metabólitos de PUFAs em amostras de sangue do cordão umbilical de bebês e depois monitoraram o desenvolvimento das crianças até os 6 anos, observando se os sintomas do TEA estavam presentes.


A avaliação foi feita utilizando escalas e testes específicos, como o Cronograma de Observação Diagnóstica do Autismo (ADOS-2) e as Escalas de Comportamentos Adaptativos de Vineland (VABS-II).


No estudo, verificou-se que altos níveis de um tipo de diol (11,12-diHETrE) impactavam a severidade dos sintomas do TEA, especialmente na interação social, enquanto níveis baixos de outro diol (8,9-diHETrE) estavam relacionados a comportamentos repetitivos.


Curiosamente, a presença desses compostos no sangue do cordão umbilical mostrou-se particularmente relevante para os sintomas de TEA em meninas.


Esses estudos indicam que a presença de certos metabólitos inflamatórios e a resposta imunológica durante a gravidez podem desempenhar um papel crucial no desenvolvimento do TEA.


Mais especificamente, os altos níveis de compostos inflamatórios derivados dos PUFAs durante a gestação parecem criar um ambiente biológico que pode predispor ao desenvolvimento de sintomas do TEA, especialmente quando há níveis mais baixos dos compostos anti-inflamatórios.


Estudos futuros poderão focar em entender como a regulação desses metabólitos pode ajudar a minimizar os riscos e até mesmo contribuir para novos métodos de prevenção e intervenção.

Figura esquemática do metabolismo do ácido araquidônico (AA) no sangue do cordão umbilical neonatal e sua relação com o TEA. O AA liberado das membranas fosfolipídicas é metabolizado em 5,6-, 8,9-, 11,12- e 14,15-EET pelas epoxigenases CYP, representadas por CYP2J2, CYP2C8 e CYP2C9. O SEH hidrolisa quatro EETs em 5,6-, 8,9-, 11,12- e 14,15-diHETrE com atividade biológica muito baixa. Destes, altos níveis de 11,12-diHETrE no sangue do cordão umbilical impactam os sintomas subsequentes do TEA, particularmente SA, em crianças e também estão associados a funções adaptativas na sociabilidade. Em contraste, 8,9-diHETrE em níveis baixos impactam o RRB. (TEA, transtornos do espectro autista; CYP, citocromo P450; diHETrE, ácido di-hidroxi-icosatrienoico; EET, ácido epóxi-icosatrienoico; RRB, comportamento repetitivo/restritivo; sEH, epóxido hidrolase solúvel; SA, afeto social). https://doi.org/10.1111/pcn.13710



LEIA MAIS:


Arachidonic acid-derived dihydroxy fatty acids in neonatal cord blood relate symptoms of autism spectrum disorders and social adaptive functioning: Hamamatsu Birth Cohort for Mothers and Children (HBC Study)

Hirai T, et al. 

Psychiatry and Clinical Neurosciences. 23 July 2024 


Abstract:


Autism spectrum disorder (ASD) is associated with abnormal lipid metabolism, such as a high total ratio of omega-6 to omega-3 in polyunsaturated fatty acids (PUFAs). PUFAs are metabolized to epoxy fatty acids by cytochrome P450 (CYP); then, dihydroxy fatty acid is produced by soluble epoxide hydrolase. This study examined the association between PUFA metabolites in the cord blood and ASD symptoms and adaptive functioning in children.

This prospective cohort study utilized cord blood to quantify PUFA metabolites of the CYP pathway. The Autism Diagnostic Observation Schedule (ADOS-2) and Vineland Adaptive Behaviors Scales, Second Edition (VABS-II) were used to assess subsequent ASD symptoms and adaptive functioning in children at 6 years. The analysis included 200 children and their mothers.

Arachidonic acid-derived diols, 11,12-diHETrE was found to impact ASD symptom severity on the ADOS-2-calibrated severity scores and impairment in the socialization domain as assessed by the VABS-II (P = 0.0003; P = 0.004, respectively). High levels of 11,12-diHETrE impact social affect in ASD symptoms (P = 0.002), while low levels of 8,9-diHETrE impact repetitive/restrictive behavior (P = 0.003). Notably, there was specificity in the association between diHETrE and ASD symptoms, especially in girls.

These findings suggest that the dynamics of diHETrE during the fetal period is important in the developmental trajectory of children after birth. Given that the role of diol metabolites in neurodevelopment in vivo is completely uncharacterized, the results of this study provide important insight into the role of diHETrE and ASD pathophysiology.






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