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Atividade cerebral de humanos e cães sincroniza durante o vínculo emocional


Resumo:

Durante interações sociais, a atividade cerebral de humanos e cães se alinha, especialmente quando há contato visual ou toques, criando uma conexão entre eles. Essa sincronização aumenta ao longo de cinco dias, à medida que se familiarizam mais, sugerindo que os humanos lideram as interações e os cães seguem. Em cães com uma mutação genética no gene Shank3, ligada ao transtorno do espectro autista (TEA), essa sincronização é prejudicada, o que afeta suas habilidades sociais. No entanto, foi observado que, após uma única dose de LSD, a conexão foi restaurada, oferecendo novas pistas para potenciais tratamentos e marcadores para sintomas sociais.


A comunicação entre humanos e cães evoluiu ao longo de 30.000 anos, começando quando os cães foram domesticados para ajudar na caça e proteção. Com o tempo, eles se tornaram parte das famílias, oferecendo apoio emocional e companheirismo. Ao contrário de outros animais domesticados, como gatos, os cães desenvolveram uma habilidade única de entender e responder às emoções e sinais dos humanos, seja por expressões faciais, gestos ou até tons de voz.


Essa comunicação entre humanos e cães é bastante singular e vai além dos relacionamentos comuns entre espécies, que geralmente são baseados apenas em benefícios mútuos, como segurança.


Embora seja claro que os cães possuem uma capacidade extraordinária de comunicação com os humanos, ainda há muito a ser descoberto sobre os mecanismos cerebrais por trás disso. Recentemente, uma pesquisa publicada na revista Advanced Science pelo Institute of Genetics and Developmental Biology busca entender como ocorre essa sincronização entre os cérebros de humanos e cães durante a interação, e quais áreas do cérebro estão envolvidas.

Estudos anteriores sobre sincronização neural focaram principalmente em interações dentro da mesma espécie, como em humanos, camundongos e primatas. No entanto, essa nova pesquisa tenta explorar se esse acoplamento neural também acontece entre espécies diferentes, como entre humanos e cães.  


Neste estudo, os pesquisadores usaram um eletroencefalograma sem fio (EEG), um capacete com eletrodos que mede a atividade cerebral, tanto em cães da raça Beagle quanto em humanos.


Esse EEG não invasivo foi utilizado enquanto os cães e pessoas desconhecidas se envolviam em interações sociais, divididas em três situações diferentes: quando estavam em salas separadas sem interação, quando estavam na mesma sala sem interagir, e quando havia interação social, como olhares mútuos e carícias.


Essas interações, que incluíam troca de olhares e toques, são formas essenciais de comunicação não verbal, tanto para humanos quanto para cães. O objetivo era entender como essas formas de interação afetam a atividade cerebral de ambos e se existe alguma sincronização entre as atividades cerebrais durante esse contato direto.

Acoplamento de atividade intercerebral durante interações humano-cão. A) Esquema de interações humano-cão (olhar mútuo e carícias): nenhuma interação em salas separadas (esquerda), com (painel direito) e sem (painel do meio) interações na mesma sala. B) Esquema de posições de eletrodos no couro cabeludo no cérebro do cão (superior) e no cérebro humano (inferior). C) Potências médias de EEG normalizadas registradas simultaneamente em regiões frontais de cães e humanos no quinto dia de interações sociais em três condições diferentes (nenhuma interação social em salas separadas (superior) e na mesma sala (meio) e com interações sociais na mesma sala (inferior)). D) Mapa de calor das correlações de atividade intercerebral entre cães e humanos interagindo socialmente ao longo de cinco dias. E) Correlação intercerebral nas regiões frontal e parietal do cérebro de um cão (vermelho) e de um humano (azul). F) Correlação intercerebral nas regiões frontal (esquerda) e parietal (direita) de um cão e de um humano interagindo socialmente ao longo de cinco dias.


Os pesquisadores demonstraram pela primeira vez que o acoplamento neural intercerebral direcionado ocorre entre humanos e cães, particularmente nas regiões frontal e parietal, ambas associadas à atenção conjunta e socialização. A força dessa sincronização aumentou com a crescente familiaridade dos pares humano-cão ao longo de 5 dias, e os testes indicaram que o humano é o líder enquanto o cão é o seguidor durante as interações humano-cão.


O próximo passo seria testar essa interação entre pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Mutações no gene SHANK3 são algumas das causas genéticas mais comuns associadas ao TEA, uma condição que afeta cerca de 1% da população mundial. Pessoas com autismo apresentam dificuldades persistentes na comunicação e interação social, o que está relacionado justamente às regiões frontal e parietal do cérebro.


Em crianças com sintomas graves de autismo, há uma menor atividade cerebral compartilhada durante interações sociais com seus pais, o que poderia explicar parte das dificuldades de socialização. Testar essa sincronização em autistas pode ajudar a entender melhor as causas e possíveis tratamentos para o TEA. 


Mutações no gene Shank3 também ocorrem em cães, tornando-os um modelo eficaz para estudar problemas de cognição social e distúrbios neuropsiquiátricos, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA) em humanos. Isso ajuda a superar as limitações dos modelos com roedores, cujas diferenças no cérebro e comportamento limitam a comparação com humanos, e também dos modelos com macacos, que são caros e têm reprodução lenta.

Cães com mutações no gene Shank3 mostraram perda de sincronização cerebral com humanos, especialmente nas áreas frontal e parietal, que são associadas à atenção. Os pesquisadores verificaram se havia problemas de atenção nesses cães, usando um método que mede a razão das ondas cerebrais teta/beta (TBR).


Uma TBR alta indica menor atenção, enquanto uma TBR baixa indica um estado mais focado. Os cães com a mutação no Shank3 apresentaram uma TBR mais alta, sugerindo atenção prejudicada. Esse resultado é semelhante ao encontrado em crianças com TEA e TDAH, que também mostram TBR mais alta em estado de repouso, em comparação com crianças com desenvolvimento típico.


Atualmente, existem poucos tratamentos eficazes que abordem diretamente as dificuldades sociais, que são o principal sintoma do TEA. No entanto, os psicodélicos, conhecidos por seus efeitos alucinógenos, estão sendo revisados na pesquisa científica moderna, após estudos pioneiros do século 20.


Um exemplo é o LSD (dietilamida do ácido lisérgico), que, em estudos recentes, mostrou potencial para aumentar a sociabilidade, a empatia e os níveis de ocitocina, um neuropeptídeo relacionado ao comportamento social. 


Para investigar se o LSD tem efeito na sincronização da atividade cerebral entre humanos e cães, os pesquisadores administraram doses específicas de LSD em cães com mutações no gene Shank3.


Após o tratamento, esses cães apresentaram um aumento significativo na correlação da atividade cerebral entre eles e os humanos, especialmente nas áreas dos lobos frontal e parietal, que são regiões do cérebro associadas à interação social e que geralmente apresentam atividade reduzida em indivíduos com TEA.

Além disso, esse aumento na sincronização cerebral foi progressivo ao longo de cinco dias de observação após o tratamento, sugerindo que o LSD pode ter um efeito duradouro na melhoria da comunicação neural em interações sociais.


Esses resultados indicam que o LSD pode influenciar positivamente os déficits sociais observados em distúrbios como o TEA, pelo menos em um modelo animal como os cães mutantes Shank3.


“Há duas implicações do presente estudo: uma é que a sincronização intercerebral interrompida pode ser usada como um biomarcador para o autismo, e a outra é que o LSD ou seus derivados podem melhorar os sintomas sociais do autismo”, disse o autor correspondente Yong Q. Zhang, PhD, da Academia Chinesa de Ciências, em Pequim.



LEIA MAIS:


Disrupted Human–Dog Interbrain Neural Coupling in Autism-Associated Shank3 Mutant Dogs

Wei Ren, Shan Yu, Kun Guo, Chunming Lu, Yong Q. Zhang

Advanced Science. 2024.  doi.org/10.1002/advs.202402493


Abstract:


Dogs interact with humans effectively and intimately. However, the neural underpinnings for such interspecies social communication are not understood. It is known that interbrain activity coupling, i.e., the synchronization of neural activity between individuals, represents the neural basis of social interactions. Here, previously unknown cross-species interbrain activity coupling in interacting human–dog dyads is reported. By analyzing electroencephalography signals from both dogs and humans, it is found that mutual gaze and petting induce interbrain synchronization in the frontal and parietal regions of the human–dog dyads, respectively. The strength of the synchronization increases with growing familiarity of the human–dog dyad over five days, and the information flow analysis suggests that the human is the leader while the dog is the follower during human–dog interactions. Furthermore, dogs with Shank3 mutations, which represent a promising complementary animal model of autism spectrum disorders (ASD), show a loss of interbrain coupling and reduced attention during human–dog interactions. Such abnormalities are rescued by the psychedelic lysergic acid diethylamide (LSD). The results reveal previously unknown interbrain synchronizations within an interacting human–dog dyad which may underlie the interspecies communication, and suggest a potential of LSD for the amelioration of social impairment in patients with ASD.

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