
O uso de antidepressivos em pessoas com demência é comum para tratar sintomas como depressão e ansiedade. No entanto, estudos sugerem que esses medicamentos podem acelerar o declínio cognitivo, especialmente em doses mais altas. Enquanto alguns antidepressivos podem ter efeitos benéficos no cérebro, outros podem prejudicar a cognição. Isso reforça a necessidade de avaliar com cuidado o uso desses medicamentos em pacientes com demência.
O uso de antidepressivos em pacientes com demência é uma prática comum para tratar sintomas como ansiedade, depressão, agressividade e distúrbios do sono.
Entre as opções mais utilizadas estão os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) e os inibidores de recaptação de serotonina e norepinefrina (IRSN), que são considerados tratamentos de primeira linha para depressão por terem menos efeitos colaterais do que outras classes de antidepressivos.
No entanto, estudos sugerem que idosos com depressão que utilizam esses medicamentos podem ter um risco maior de desenvolver demência em comparação com aqueles que fazem terapia psicológica.
Ainda há muitas incertezas sobre o impacto dos antidepressivos na progressão da demência. Por exemplo, os antidepressivos tricíclicos (ATCs) podem prejudicar a cognição devido ao seu efeito anticolinérgico, que interfere na transmissão de sinais entre os neurônios.

Por outro lado, algumas pesquisas indicam que os inibidores seletivos de recaptação de serotonina podem ter um efeito positivo ao estimular a formação de novos neurônios e reduzir o acúmulo de proteínas tóxicas associadas à doença de Alzheimer.
Alguns estudos sugerem que esses medicamentos podem retardar a evolução do comprometimento cognitivo leve para a demência, mas os resultados ainda são inconclusivos.
Muitos desses estudos têm limitações, como acompanhamento de curto prazo, foco em populações específicas (por exemplo, apenas pacientes com depressão, e não pacientes com demência), ou falha em considerar fatores como idade, sexo e gravidade da demência. Tambem, as diferenças de efeitos entre as classes de antidepressivos podem estar relacionadas aos diferentes mecanismos de ação dessas substâncias no cérebro.
Na Suécia, diretrizes nacionais recomendam sertralina e escitalopram como opções preferenciais para idosos. No entanto, há evidências de que antidepressivos podem não ser tão eficazes para pessoas com demência, pois as alterações cerebrais dessa condição afetam a maneira como o organismo responde a esses medicamentos.
Em algumas situações, disfunções no controle cognitivo da demência podem reduzir a eficácia dos inibidores seletivos de recaptação de serotonina.

Outro ponto importante é que alguns antidepressivos têm efeitos anticolinérgicos, o que pode piorar a cognição e aumentar o risco de quedas e mortalidade, especialmente em pacientes com Alzheimer e demência com corpos de Lewy, condições em que a transmissão colinérgica já está comprometida.
Além disso, grande parte das pesquisas sobre o impacto dos antidepressivos se concentrou no Alzheimer, com poucos dados sobre outras formas de demência, como a demência vascular, frontotemporal, com corpos de Lewy e associada à doença de Parkinson.
Estudos de longo prazo são difíceis de realizar devido à alta taxa de desistência dos participantes e à dificuldade de acompanhamento.
Diante dessa lacuna de conhecimento, este estudo foi conduzido para investigar o impacto de longo prazo dos antidepressivos na cognição, no risco de fraturas e na mortalidade em pacientes com demência.
O objetivo é compreender melhor como diferentes classes de antidepressivos, medicamentos específicos e suas doses afetam a progressão da demência e como fatores individuais, como subtipo e gravidade da demência, podem modificar esses efeitos.

Os resultados podem ajudar profissionais de saúde a tomar decisões mais informadas sobre o uso de antidepressivos em pacientes com demência e orientar futuras pesquisas na área.
Para isso, foi realizado um estudo de coorte na Suécia, incluindo pacientes com demência registrados no banco de dados nacional de transtornos cognitivos SveDem, entre 2007 e 2018. Foram analisados pacientes que iniciaram o uso de antidepressivos após o diagnóstico de demência.
O uso desses medicamentos foi avaliado ao longo do tempo, considerando prescrições feitas nos seis meses anteriores ao diagnóstico e em consultas subsequentes. O desempenho cognitivo foi medido pelo Mini-Exame do Estado Mental (MMSE), um teste amplamente utilizado para avaliar a função cognitiva.
Os resultados mostraram que, entre os 18.740 pacientes analisados, 22,8% receberam pelo menos uma prescrição de antidepressivo. Ao longo do acompanhamento, foram emitidas quase 12 mil prescrições, sendo os anti-depressivos ISRSs a classe mais comum (64,8%).

Uso de antidepressivos e declínio cognitivo em pacientes com demência. Trajetórias estimadas do MMSE entre o uso de antidepressivos e o não uso por subtipos de demênciaa. Abreviações: SveDem, o Registro Sueco para Transtornos Cognitivos/Demenciais; ICs, intervalos de confiança; MMSE, Mini-Exame do Estado Mental; DA, doença de Alzheimer; Mista, demência mista; DVa, demência vascular; LBD, doença de Parkinson com demência e demência com corpos de Lewy; FTD, demência frontotemporal.
O uso de antidepressivos foi associado a um declínio cognitivo mais rápido, com as maiores reduções de pontuação do Mini-Exame do Estado Mental observadas em pacientes que utilizaram escitalopram, citalopram, sertralina e mirtazapina.
O impacto foi mais forte entre aqueles com demência grave (pontuações iniciais do Mini-Exame do Estado Mental entre 0 e 9). Entre os inibidores seletivos de recaptação de serotonina, o escitalopram apresentou a taxa de declínio mais acelerada em comparação com a sertralina.
Também foi observada uma relação entre doses mais altas dos anti-depressivos inibidores seletivos de recaptação de serotonina e maiores riscos de demência grave, fraturas e mortalidade.

Em conclusão, este estudo indicou que o uso de antidepressivos em pacientes com demência pode estar associado a um declínio cognitivo mais rápido. Além disso, doses mais altas de anti-depressivos foram associadas a um risco aumentado de demência grave, fraturas e morte.
Esses achados ressaltam a necessidade de monitoramento rigoroso do uso de antidepressivos em pessoas com demência e reforçam a importância de avaliar cuidadosamente os riscos e benefícios desses medicamentos nessa população.
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Antidepressant use and cognitive decline in patients with dementia: a national cohort study
Minjia Mo, Tamar Abzhandadze, Minh Tuan Hoang, Simona Sacuiu, Pol Grau Jurado, Joana B. Pereira, Luana Naia, Julianna Kele, Silvia Maioli, Hong Xu, Maria Eriksdotter & Sara Garcia-Ptacek
BMC Medicine, volume 23, Article number: 82 (2025)
Abstract:
Dementia is associated with psychiatric symptoms but the effects of antidepressants on cognitive function in dementia are understudied. We aimed to investigate the association between antidepressants and cognitive decline in patients with dementia, and the risk of severe dementia, fractures and death, depending on antidepressant class, drug, and dose. This is a national cohort study. Patients with dementia registered in the Swedish Registry for Cognitive/Dementia Disorders-SveDem from May 1, 2007, until October 16, 2018, with at least one follow-up after dementia diagnosis, and who were new users of antidepressants, were included. Antidepressant use as a time varying exposure defined during the 6 months leading up to dementia diagnosis or each subsequent follow-up. We used linear mixed models to examine the association between antidepressant use and cognitive trajectories assessed by Mini-Mental State Examination (MMSE) scores. We used Cox proportional hazards models to calculate the hazard ratios for severe dementia (MMSE score < 10), fracture, and death. We compared antidepressant classes and drugs, and analyzed dose–response. We included 18740 patients (10 205 women [54.5%]; mean [SD] age, 78.2[7.4] years), of which 4271 (22.8%) received at least one prescription for an antidepressant. During follow-up, a total of 11912 prescriptions for antidepressants were issued, with selective serotonin reuptake inhibitors (SSRI) being the most common (64.8%). Antidepressant use was associated with faster cognitive decline (β (95% CI) = − 0.30(− 0.39, − 0.21) points/year), in particular sertraline (− 0.25(− 0.43, − 0.06) points/year), citalopram (− 0.41(− 0.55, − 0.27) points/year), escitalopram (− 0.76(− 1.09, − 0.44) points/year), and mirtazapine (− 0.19(− 0.34, − 0.04) points/year) compared with non-use. The association was stronger in patients with severe dementia (initial MMSE scores 0–9). Escitalopram showed a greater decline rate than sertraline. Compared with non-use, dose response of SSRIs on greater cognitive decline and higher risks of severe dementia, all-cause mortality, and fracture were observed. In this cohort study, current antidepressant use was associated with faster cognitive decline; furthermore, higher dispensed doses of SSRIs were associated with higher risk for severe dementia, fractures, and all-cause mortality. These findings highlight the significance of careful and regular monitoring to assess the risks and benefits of different antidepressants use in patients with dementia.
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