Alzheimer e a Origem no Útero: O impacto da Inflamação Materna no Cérebro dos filhos
- Lidi Garcia
- 11 de dez. de 2024
- 5 min de leitura

Resumo:
Dado o aumento da expectativa de vida e a prevalência crescente da doença de Alzheimer, é crucial entender como exposições pré-natais podem influenciar o risco de comprometimento cognitivo décadas depois. O estudo reforça que os impactos da inflamação durante a gestação podem persistir ao longo da vida, afetando homens e mulheres de maneira diferente.
Preservar a memória durante o envelhecimento é um dos maiores desafios de saúde global. Estima-se que, até 2050, mais de 20% da população dos Estados Unidos terá mais de 65 anos, e cerca de 75% dos idosos enfrentarão dificuldades relacionadas à memória.
Além disso, aproximadamente 13,8 milhões de pessoas serão diagnosticadas com a doença de Alzheimer (DA), sendo dois terços desse total mulheres.
Curiosamente, mulheres apresentam melhor desempenho em testes de memória verbal ao longo da vida, mas essa vantagem tende a diminuir com o declínio hormonal provocado pelo envelhecimento reprodutivo. Isso reforça a necessidade de desenvolver estratégias específicas que considerem diferenças biológicas entre os sexos para proteger a memória ao longo do tempo.

Os fatores que influenciam a saúde da memória podem começar muito cedo, ainda durante o desenvolvimento fetal. Estudos indicam que complicações na gravidez, como a pré-eclâmpsia (PE) — uma condição caracterizada por inflamação materna —, estão associadas a déficits cognitivos na prole, tanto na infância quanto na vida adulta.
Pesquisas com modelos animais corroboram essa ideia, sugerindo que a exposição a altos níveis de inflamação ou estresse materno durante a gestação pode prejudicar o desenvolvimento do cérebro do feto. Esses fatores afetam especialmente regiões críticas para a memória, como o hipocampo, resultando em déficits de longo prazo.
No entanto, há uma lacuna significativa em estudos que examinam como essas exposições adversas afetam homens e mulheres de maneira diferente. Essa distinção é essencial, pois áreas do cérebro envolvidas na memória, como o hipocampo e o córtex pré-frontal, se desenvolvem de formas distintas em cada sexo.
Além disso, hormônios sexuais e células imunológicas desempenham papéis importantes durante períodos críticos do desenvolvimento fetal, influenciando a formação dessas regiões.
Com o envelhecimento, a atividade cerebral em regiões associadas à memória sofre alterações. Regiões como o hipocampo, o córtex pré-frontal e o córtex parietal posterior estão particularmente envolvidas na formação e recuperação de memórias.
Em mulheres, a menopausa e o declínio de hormônios como o estradiol estão ligados a mudanças significativas no funcionamento dessas áreas, o que pode impactar a memória. Homens, por sua vez, apresentam padrões diferentes de conectividade cerebral, sugerindo mecanismos alternativos para compensar o envelhecimento cognitivo.
Um estudo recente investigou o impacto de exposições pré-natais adversas — como níveis elevados de citocinas inflamatórias maternas — no desempenho da memória de filhos adultos, com foco nas diferenças entre os sexos. Os pesquisadores acompanharam descendentes expostos a altos níveis de inflamação materna durante um período crítico do desenvolvimento cerebral e os avaliaram ao longo de 50 anos.
Homens expostos a essas condições apresentaram pior desempenho em testes de memória e menor atividade em áreas como o hipocampo e o córtex pré-frontal. Já entre as mulheres, os efeitos foram mais pronunciados após a menopausa, com quedas acentuadas no desempenho da memória e maior ativação de processos inflamatórios.

Os resultados da ressonância magnética funcional (fMRI) mostraram que altos níveis de citocinas pró-inflamatórias maternas, como IL-6 e TNF-α, estavam significativamente associados a alterações na atividade cerebral e na conectividade funcional, com impactos que persistiram por mais de 50 anos.
Em contraste, a citocina anti-inflamatória IL-10 não demonstrou relação significativa com o circuito da memória na meia-idade. A validade preditiva dessas exposições foi confirmada por sua associação com o desempenho acadêmico na infância, aos 7 anos, que, por sua vez, mostrou relação direta com o desempenho da memória na meia-idade.
As descobertas também apontaram que homens são mais sensíveis a exposições adversas durante o período pré-natal, enquanto mulheres apresentam vulnerabilidades mais tarde na vida, possivelmente devido às mudanças hormonais da menopausa.
Além disso, exposições pré-natais adversas foram associadas à ativação do inflamassomo NLRP3 na meia-idade — uma estrutura imune ligada à progressão da doença de Alzheimer. O inflamassomo NLRP3 contribui para o acúmulo de placas no cérebro e para a liberação de substâncias inflamatórias que afetam a memória.
Essas descobertas destacam a importância de identificar fatores de risco precoces para desenvolver estratégias preventivas eficazes. Dado o aumento da expectativa de vida e a prevalência crescente da doença de Alzheimer, é crucial entender como exposições pré-natais podem influenciar o risco de comprometimento cognitivo décadas depois.
O estudo reforça que os impactos da inflamação durante a gestação podem persistir ao longo da vida, afetando homens e mulheres de maneira diferente.
Por fim, o reconhecimento dessas diferenças é essencial para o desenvolvimento de intervenções personalizadas. Estratégias que considerem o sexo biológico, o histórico imunológico e o envelhecimento reprodutivo podem ser mais eficazes na promoção da saúde cognitiva e na proteção da memória ao longo da vida.

O impacto dos níveis adversos de imunidade pré-natal materna na memória e função imunológica da prole na meia-idade difere por sexo e estágio reprodutivo. Esta imagem ilustra as descobertas gerais deste estudo. A ativação imunológica materna pré-natal adversa impacta o desenvolvimento do cérebro da prole e a função imunológica com consequências que podem ser vistas aos 7 anos, ou seja, impactando o desempenho acadêmico, e com efeitos dependentes do sexo ao longo da vida nos resultados na meia-idade, que são revelados em mulheres na pós-menopausa, ajustados para a idade cronológica.
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Jill M. Goldstein, Kyoko Konishi, Sarah Aroner, Hang Lee, Anne Remington, Tanuja Chitnis, Stephen L. Buka, Mady Hornig & Stuart A. Tobet
Molecular Psychiatry (2024)
Abstract:
With an increasing aging population and Alzheimer’s disease tsunami, it is critical to identify early antecedents of brain aging to target for intervention and prevention. Women and men develop and age differently, thus using a sex differences lens can contribute to identification of early risk biomarkers and resilience. There is growing evidence for fetal antecedents to adult memory impairments, potentially through disruption of maternal prenatal immune pathways. Here, we hypothesized that in utero exposure to maternal pro-inflammatory cytokines will have sex-dependent effects on specific brain circuitry regulating offspring’s memory and immune function that will be retained across the lifespan. Using a unique prenatal cohort, we tested this in 204 adult offspring, equally divided by sex, who were exposed/unexposed to an adverse in utero maternal immune environment and followed into early midlife (~age 50). Functional magnetic resonance imaging results showed exposure to pro-inflammatory cytokines in utero (i.e., higher maternal IL-6 and TNF-α levels) was significantly associated with sex differences in brain activity and connectivity underlying memory circuitry and performance and with a hyperimmune state, 50 years later. In contrast, the anti-inflammatory cytokine, IL-10 alone, was not significantly associated with memory circuitry in midlife. Predictive validity of prenatal exposure was underscored by significant associations with age 7 academic achievement, also associated with age 50 memory performance. Results uniquely demonstrated that adverse levels of maternal in utero pro-inflammatory cytokines during a critical period of the sexual differentiation of the brain produced long-lasting effects on immune function and memory circuitry/function from childhood to midlife that were sex-dependent, brain region-specific, and, within women, reproductive stage-dependent.
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