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Abelhas Também se Divertem? Comportamento de Brincadeira em Abelhas Identificado Pela Primeira Vez


A brincadeira animal é um fenômeno amplamente observado, mas seus exemplos são predominantes em mamíferos e aves. Aqui, os pesquisadores mostram que o comportamento de rolar bolas por abelhas atende aos critérios de brincadeira estabelecidos por Burghardt (2005): é um comportamento sem função aparente no momento, realizado espontaneamente e repetido por prazer. Este é um dos primeiros estudos a documentar brincadeira em invertebrados, levantando questões sobre as capacidades cognitivas e emocionais das abelhas.


A brincadeira não é exclusiva dos humanos, mas um fenômeno presente em muitas espécies de animais, como observado pela primeira vez no século XIX por Groos (1898). Estudos indicam que a brincadeira desempenha um papel crucial no desenvolvimento saudável de habilidades cognitivas e motoras. 


Essas habilidades, por sua vez, podem ser úteis em tarefas essenciais, como encontrar alimentos. Além disso, a brincadeira é vista como um elemento fundamental para o bem-estar dos animais. Os exemplos mais claros de brincadeira foram documentados em mamíferos e aves com cérebros grandes. 


No entanto, pesquisas sistemáticas sobre brincadeira em outros tipos de animais são escassas. Isso ocorre, em parte, porque é desafiador definir e estudar a brincadeira em espécies tão diversas.


Para facilitar a investigação desse comportamento em animais, Burghardt (2005) propôs cinco critérios principais que ajudam a identificar a brincadeira. 

Primeiro, a brincadeira é um comportamento que não tem uma função óbvia ou adaptativa no momento em que ocorre (Critério 1). Por exemplo, um comportamento realizado apenas para obter comida, abrigo ou parceiros não é classificado como brincadeira. 


Em segundo lugar, ela é voluntária e espontânea, sendo realizada porque é gratificante por si só, sem depender de uma recompensa adicional (Critério 2). 


Terceiro, a brincadeira é diferente dos comportamentos funcionais normais na sua forma. Ou seja, os movimentos realizados são distintos dos usados em atividades como busca de alimento ou reprodução (Critério 3). 


Quarto, a brincadeira é repetitiva, mas não segue um padrão rígido ou automático (Critério 4), o que a diferencia de tiques ou comportamentos estereotipados. Por fim, a brincadeira só ocorre quando o animal está em um estado de relaxamento.


O estresse pode impedir a brincadeira temporariamente, embora em algumas situações a brincadeira possa ajudar a reduzir o estresse (Critério 5). 


Esse último critério ajuda a distinguir a brincadeira de comportamentos induzidos por estresse, como andar repetidamente em círculos, comportamento comum em animais enjaulados.


A brincadeira pode ser dividida em três categorias principais: social, locomotora e com objetos. A brincadeira social envolve interações lúdicas entre animais, como lutas simuladas entre jovens da mesma espécie. 

A brincadeira locomotora inclui movimentos intensos, como correr ou pular, sem um objetivo específico, apenas pelo prazer do movimento. Já a brincadeira com objetos envolve manipulação de itens inanimados, como bolas ou galhos.  


Apesar de ser menos estudada, há evidências de brincadeira social até mesmo em insetos, como formigas (Formica rufa) e vespas jovens (Polistes dominulus), que exibem comportamentos similares a lutas de brincadeira.

O estudo, realizado por pesquisadores da Queen Mary University of London, UK,  que discutimos aqui foca na brincadeira com objetos em abelhas.


Anteriormente, esse grupo de pesquisadores em outra abordagem, treinaram abelhas para rolar uma bola em direção a um gol, recompensando-as com água com açúcar. Algumas abelhas conseguiram fazer isso sem nenhuma demonstração. Outras abelhas observaram suas companheiras fazendo isso e então descobriram maneiras ainda mais rápidas de mover a bola.

Mas esse sistema de recompensa não caracteriza ou diferia se as abelhas brincavam por diversão ou pela recompensa.


Nesse novo estudo, em três experimentos diferentes, eles examinaram se o comportamento de rolar bolas por abelhas preenche os critérios estabelecidos para brincadeira e como rolar bolas se assemelha à brincadeira com objetos em outros animais.

Configuração experimental. Vista aérea da seção da arena experimental contendo a área de forrageamento e a área de  objetos. Uma caixa-ninho contendo uma colônia de abelhas foi conectada a uma arena por meio de um túnel de plástico. O túnel levou a um caminho desobstruído na área de objetos com objetos coloridos nas laterais do caminho: nove bolas móveis à direita e nove bolas imóveis à esquerda. O caminho levou à área de forrageamento que continha ad libitum 30% de sacarose (S) e pólen moído (P). A sacarose foi recarregada externamente por meio de um tubo. A localização da sacarose e do pólen foi alternada todos os dias para evitar que as abelhas desenvolvessem um viés lateral.


Experimento 1: As abelhas se envolvem em manipulação de objetos como brincadeira?


Um total de 910 ações de rolar bolas por 45 abelhas foram registradas. Abelhas individuais rolaram bolas entre 1 e 44 vezes em um dia experimental e entre 1 e 117 vezes durante toda a duração do experimento. 


A maioria das abelhas (37/45) rolou bolas por pelo menos um dia adicional após se alimentar na área de forrageamento, e 29 abelhas por pelo menos dois dias adicionais.


Os resultados mostraram que, antes de experimentarem rolar bolas, as abelhas não apresentavam preferência significativa entre explorar a área com bolas móveis ou a área com bolas fixas. No entanto, após a primeira experiência de rolar uma bola, elas demonstraram uma forte preferência pela área com bolas móveis. 


O comportamento foi repetitivo, e as abelhas continuaram a interagir com as bolas em dias subsequentes. Esse padrão indica que o comportamento não foi motivado por uma necessidade imediata, mas possivelmente pelo prazer associado à atividade. 


Curiosamente, não houve preferência por cores específicas de bola, o que sugere que a interação não estava relacionada a uma atração por determinada cor.

Vídeo S1. Um exemplo de bola rolando por uma abelha na velocidade × 0,5. A abelha se aproxima de uma bola colorida de madeira enquanto está de frente para ela, toca a bola com suas patas dianteiras, segura a bola usando todas as suas pernas, rola a bola, se desprende e sai da bola. A abelha se aproxima de uma segunda bola, rola e se desprende.


Experimento 2: A idade influencia o envolvimento na atividade de rolar bolas?


Nesse experimento, foi investigado se a idade das abelhas influenciava sua propensão a rolar bolas. As abelhas mais jovens (até 3 dias de idade) exibiram significativamente mais ações de rolar bolas (média de 11 vezes por dia) do que as mais velhas (pelo menos 10 dias de idade, com uma média de 4 vezes por dia). 


Esses resultados indicam que o comportamento está relacionado à idade, sendo mais frequente em abelhas jovens. Isso é consistente com observações em mamíferos e outros animais, nos quais a brincadeira tende a ser mais intensa em fases iniciais de desenvolvimento.


Experimento 3: O comportamento de rolar bolas pode atuar como um estímulo incondicionado?


Para investigar se o ato de rolar bolas é inerentemente recompensador, as abelhas tiveram acesso a duas câmaras coloridas: uma contendo bolas móveis e outra sem objetos. Durante um teste subsequente, em que as duas câmaras estavam disponíveis, as abelhas mostraram preferência pela câmara associada à presença das bolas. Isso sugere que a atividade de rolar bolas é gratificante por si só, independentemente de outras recompensas externas. 

A brincadeira animal é um fenômeno amplamente observado, mas seus exemplos são predominantes em mamíferos e aves. Aqui, os pesquisadores mostram que o comportamento de rolar bolas por abelhas atende aos critérios de brincadeira estabelecidos por Burghardt (2005): é um comportamento sem função aparente no momento, realizado espontaneamente e repetido por prazer. 


Além disso, os resultados revelaram que a idade influenciou a freqüência da brincadeira, com abelhas jovens sendo mais propensas a interagir com objetos, um padrão semelhante ao observado em outras espécies animais. 


Por fim, o comportamento mostrou-se recompensador, como demonstrado pela preferência das abelhas pela câmara associada à atividade.


Este é um dos primeiros estudos a documentar brincadeira em invertebrados, levantando questões sobre as capacidades cognitivas e emocionais das abelhas. Ele reforça a ideia de que mesmo insetos possuem comportamentos complexos, que podem estar associados ao desenvolvimento de habilidades e ao prazer intrínseco.



LEIA MAIS:




Do bumble bees play?

Hiruni Samadi Galpayage Dona, Cwyn Solvi, Amelia Kowalewska, Kaarle Mäkelä, HaDi MaBouDi, and Lars Chittka

Animal Behaviour. Volume 194, December 2022, Pages 239-251


Abstract:


A variety of animals have been found to interact with and manipulate inanimate objects ‘just for fun’, that is, to play. Most clear examples of object play come from mammals and birds. However, whether insects interact with inanimate objects as a form of play has never been systematically examined. Here, we show that rolling of wooden balls by bumble beesBombus terrestris, fulfils behavioural criteria for animal play and is akin to play in other animals. We found that ball rolling (1) did not contribute to immediate survival strategies, (2) was intrinsically rewarding, (3) differed from functional behaviour in form, (4) was repeated but not stereotyped, and (5) was initiated under stress-free conditions. Through the design of the experiment and with the support of behavioural observations, we excluded the possibilities that ball rolling was driven by exploration for food, clutter clearing or mating. Similar to vertebrate play, we also found age and sex differences for ball rolling by bumble bees: younger bees rolled more balls than older bees and male bees rolled individual balls for longer durations than females. We explicitly show that ball rolling is itself a rewarding activity. After being trained to find freely movable balls in one of two differently coloured chambers, bees showed a preference for the colour of the chamber where they had rolled balls. Our results contribute to the question of sentience in insects and lend further support for the existence of positive affective states in these animals.

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