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A Dieta que Alimenta Seus Medos: A Relação Oculta Entre Dieta Rica em Gordura e Ansiedade


Esse estudo reforça que a dieta influencia profundamente o microbioma intestinal. Um microbioma desequilibrado pode causar uma cascata de efeitos negativos, incluindo inflamação, obesidade e aumento da vulnerabilidade a transtornos psiquiátricos, como a ansiedade. Isso destaca a importância de escolhas alimentares saudáveis para manter o microbioma em equilíbrio e proteger a saúde física e mental.


A obesidade e os transtornos de ansiedade têm sido frequentemente encontrados juntos e representam condições de saúde em ascensão em sociedades urbanas modernas. 


Esses dois problemas são conhecidos como comorbidades, ou seja, frequentemente ocorrem juntos e compartilham fatores de risco ou mecanismos biológicos subjacentes. Um desses fatores é a inflamação, que parece desempenhar um papel importante nessa relação.  


Estudos com animais sugerem que uma dieta rica em gorduras (HFD, do inglês "high-fat diet") pode aumentar a neuroinflamação, uma inflamação que ocorre no cérebro, e intensificar comportamentos relacionados à ansiedade.


Por exemplo, em experimentos com ratos alimentados com uma dieta rica em gorduras, observou-se maior neuroinflamação em regiões do cérebro que regulam comportamentos de defesa relacionados à ansiedade.

Embora os mecanismos exatos pelos quais a dieta rica em gordura influencia a neuroinflamação e os comportamentos ansiosos ainda não sejam totalmente compreendidos, acredita-se que alterações no eixo microbioma-intestino-cérebro (MGB) desempenhem um papel crucial. 


Esse eixo refere-se à conexão bidirecional entre a microbiota intestinal (comunidade de micro-organismos no intestino), o sistema nervoso central e o cérebro.


Mudanças causadas por dietas ricas em gordura podem alterar a diversidade e a composição do microbioma intestinal, afetando a imunidade, a inflamação e até mesmo a função cognitiva.


Quando o microbioma intestinal sofre um desequilíbrio em sua diversidade ou composição, ocorre uma condição chamada disbiose intestinal.


Essa disbiose não apenas intensifica a inflamação no corpo e no cérebro (neuroinflamação), mas também afeta a produção e o funcionamento da serotonina, um neurotransmissor fundamental na regulação do humor e das emoções. 

A quantidade e a diversidade de microrganismos encontradas na microbiota intestinal contribui para a manutenção da saúde em todo o organismo, assim como o desequilíbrio destes fatores (que caracteriza um quadro de disbiose) pode estar relacionado ao desenvolvimento de diversas doenças. Fonte: CALDIC


A serotonina é conhecida por modular comportamentos emocionais, incluindo respostas defensivas e ansiosas. A principal fonte de serotonina no cérebro é o núcleo dorsal do rafe (DR), uma região crucial para a regulação emocional.


Estudos mostram que a ativação de partes específicas desse núcleo, como o núcleo dorsal dorsomedial (cDRD), pode aumentar comportamentos semelhantes à ansiedade.


Pesquisas anteriores revelaram que dietas ricas em gordura podem alterar a sinalização serotoninérgica. Por exemplo, ratos alimentados com HFD apresentaram níveis elevados de serotonina no hipocampo, uma região associada à memória e ao processamento emocional. 

Caminhos da serotonina no cérebro. Imagem: Catherine C


Genes relacionados à serotonina, como TPH2, HTR1A e SLC6A4, também parecem estar envolvidos.


O gene TPH2 é responsável pela produção de triptofano hidroxilase 2, uma enzima crucial para a síntese de serotonina no sistema nervoso central. 


Já o gene HTR1A, que codifica o receptor 5-HT1A, regula a liberação e a síntese de serotonina, sendo associado a transtornos como ansiedade generalizada e pânico.


O gene SLC6A4 controla a recaptura de serotonina nas sinapses, afetando sua disponibilidade no cérebro, e está relacionado a traços temperamentais ligados à ansiedade e depressão.


Com base nesses achados, cientistas da Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil, investigaram como dietas ricas em gordura podem alterar o microbioma intestinal, influenciar a expressão de genes relacionados à serotonina e aumentar comportamentos defensivos semelhantes à ansiedade. 


Nesse estudo, ratos Wistar machos foram alimentados com dietas ricas em gordura (HFD) por nove semanas. 

Os resultados mostraram que a HFD reduziu a diversidade do microbioma intestinal e alterou sua composição. Especificamente, houve um aumento na proporção de bactérias Firmicutes em relação  às Bacteroidetes.


Firmicutes são conhecidas por sua capacidade de extrair mais energia de alimentos, especialmente gorduras e carboidratos complexos. Esse aumento está associado ao ganho de peso, obesidade e processos inflamatórios.


Por outro lado, Bacteroidetes, que ajudam a regular o peso e a metabolizar fibras, tiveram sua proporção reduzida, indicando um impacto negativo da dieta rica em gorduras sobre o equilíbrio metabólico.


Outro achado importante foi o aumento dos níveis de Blautia, uma bactéria pertencente ao filo Firmicutes. Blautia é frequentemente associada a processos inflamatórios e a condições metabólicas desfavoráveis, como resistência à insulina e obesidade. Esse aumento sugere que a dieta rica em gorduras favorece bactérias que podem contribuir para estados inflamatórios prejudiciais à saúde.


Além disso, o estudo registrou uma redução nas bactérias do gênero Prevotella, que pertencem ao filo Bacteroidetes. Essas bactérias são normalmente encontradas em dietas ricas em fibras e desempenham um papel crucial na digestão de vegetais e na produção de ácidos graxos de cadeia curta.


Esses compostos têm propriedades anti-inflamatórias e são essenciais para a saúde do intestino. A redução de Prevotella reflete o impacto de uma dieta pobre em fibras, como a HFD, na proteção contra inflamações e na integridade do microbioma.


Essas alterações no microbioma são consistentes com padrões observados em populações humanas de sociedades industrializadas, que frequentemente consomem dietas ricas em gorduras e pobres em fibras. Esse tipo de dieta contribui para o aumento de casos de obesidade, doenças metabólicas e transtornos psiquiátricos, como ansiedade. 

Filos microbianos que vivem no seu microbioma intestinal. Fonte: Rupa Health


Além disso, a HFD aumentou a expressão dos genes TPH2, HTR1A e SLC6A4 em regiões específicas do tronco encefálico, incluindo o cDRD. Essa alteração foi associada ao aumento de comportamentos defensivos relacionados à ansiedade nos ratos. 


O estudo também identificou que certas bactérias intestinais estavam diretamente ligadas a essas mudanças na expressão gênica serotoninérgica.


Esses achados sugerem que a obesidade induzida por dietas ricas em gordura está conectada a alterações no eixo microbioma-intestino-cérebro, influenciando tanto o sistema serotoninérgico quanto os comportamentos relacionados à ansiedade.


Outro aspecto relevante do estudo foi a observação de que as mudanças no microbioma induzidas pela HFD são semelhantes às encontradas em microbiomas humanos que consomem dietas modernas ricas em alimentos processados e gordurosos. 


Esse padrão pode explicar como escolhas alimentares feitas durante a adolescência, um período crítico de desenvolvimento, impactam o microbioma intestinal e predispõem os indivíduos a transtornos psiquiátricos na vida adulta, como ansiedade e depressão.


O estudo conclui que essas descobertas abrem caminho para novas abordagens no tratamento de transtornos relacionados ao estresse. Por exemplo, terapias baseadas no microbioma, como probióticos ou dietas específicas, podem ser desenvolvidas para prevenir ou reduzir os efeitos de transtornos psiquiátricos associados à obesidade. 


Dado o aumento global da obesidade e a introdução precoce de alimentos ricos em gordura na dieta infantil, esses dados destacam a importância de intervenções precoces para promover hábitos alimentares saudáveis e proteger a saúde mental a longo prazo.



LEIA MAIS:


High-fat diet, microbiome-gut-brain axis signaling, and anxiety-like behavior in male rats

Sylvana I. S. Rendeiro de Noronha, Lauro Angelo Gonçalves de Moraes, James E. Hassell Jr., Christopher E. Stamper, Mathew R. Arnold, Jared D. Heinze, Christine L. Foxx, Margaret M. Lieb, Kristin E. Cler, Bree L. Karns, Sophia Jaekel, Kelsey M. Loupy, Fernanda C. S. Silva, Deoclécio Alves Chianca-Jr., Christopher A. Lowry & Rodrigo Cunha de Menezes 

Biological Research, volume  57, Article number: 23 (2024) 


Abstract:


Obesity, associated with the intake of a high-fat diet (HFD), and anxiety are common among those living in modern urban societies. Recent studies suggest a role of microbiome-gut-brain axis signaling, including a role for brain serotonergic systems in the relationship between HFD and anxiety. Evidence suggests the gut microbiome and the serotonergic brain system together may play an important role in this response. Here we conducted a nine-week HFD protocol in male rats, followed by an analysis of the gut microbiome diversity and community composition, brainstem serotonergic gene expression (tph2htr1a, and slc6a4), and anxiety-related defensive behavioral responses. We show that HFD intake decreased alpha diversity and altered the community composition of the gut microbiome in association with obesity, increased brainstem tph2htr1a and slc6a4 mRNA expression, including in the caudal part of the dorsomedial dorsal raphe nucleus (cDRD), a subregion previously associated with stress- and anxiety-related behavioral responses, and, finally, increased anxiety-related defensive behavioral responses. The HFD increased the Firmicutes/Bacteroidetes ratio relative to control diet, as well as higher relative abundances of Blautia, and decreases in Prevotella. We found that tph2htr1a and slc6a4 mRNA expression were increased in subregions of the dorsal raphe nucleus in the HFD, relative to control diet. Specific bacterial taxa were associated with increased serotonergic gene expression in the cDRD. Thus, we propose that HFD-induced obesity is associated with altered microbiome-gut-serotonergic brain axis signaling, leading to increased anxiety-related defensive behavioral responses in rats.

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