A Arquitetura do Cérebro Infantil é Reescrita pelo Estresse, Revela Estudo
- Lidi Garcia
- 14 de abr.
- 3 min de leitura

Este estudo mostrou que as experiências que uma criança vive, como pobreza ou dificuldades familiares, podem afetar o desenvolvimento das conexões do cérebro, chamadas de substância branca. Quando essas conexões são prejudicadas, a criança pode ter mais dificuldades em matemática e linguagem no futuro. No entanto, ter apoio emocional de pessoas próximas pode ajudar a proteger o cérebro desses efeitos negativos.
O cérebro humano passa por um longo processo de desenvolvimento, especialmente durante a infância e a adolescência. Esse crescimento é profundamente influenciado pelas experiências que a criança vive.
Um dos elementos mais importantes nesse processo é a substância branca, que funciona como uma rede de comunicação dentro do cérebro, conectando diferentes áreas para que possam trabalhar em conjunto.
Apesar da sua importância, ainda não entendemos totalmente como a substância branca participa da ligação entre o ambiente em que a criança cresce e suas habilidades cognitivas no futuro.

Muitos estudos anteriores focaram mais nas mudanças na substância cinzenta (responsável pelo processamento de informações), deixando a substância branca em segundo plano. Este estudo, realizado por pesquisadores da Harvard Medical School, USA, busca preencher essa lacuna, investigando como as experiências iniciais da vida afetam o desenvolvimento da substância branca e, consequentemente, as capacidades cognitivas durante a adolescência.
No estudo, pesquisadores analisaram dados do projeto Adolescent Brain Cognitive Development (ABCD), um dos maiores estudos já feitos sobre o cérebro adolescente, com uma amostra de mais de 9.000 crianças de 9 e 10 anos.
Eles examinaram a substância branca de crianças que passaram por diferentes tipos de experiências de vida, incluindo fatores de risco antes mesmo do nascimento (como complicações durante a gravidez), dificuldades familiares (como violência ou negligência), pobreza e problemas na vizinhança (como viver em áreas perigosas ou com poucos recursos).

Os cientistas mediram características da substância branca usando técnicas avançadas de imagem, especialmente focando em um dado chamado anisotropia fracionada (AF), que indica o nível de organização e integridade dos tratos de fibras no cérebro.
Os resultados mostraram que crianças expostas a essas adversidades tinham níveis mais baixos de anisotropia fracionada em várias regiões da substância branca do cérebro. Isso significa que suas conexões cerebrais estavam menos desenvolvidas ou menos eficientes.
Esse tipo de alteração foi relacionado a dificuldades posteriores em habilidades importantes, como fazer cálculos mentais (aritmética) e compreender a linguagem falada (linguagem receptiva). Ou seja, experiências difíceis na infância parecem afetar o modo como o cérebro se organiza e, como consequência, podem prejudicar a aprendizagem e o desempenho escolar mais adiante.

Imagem de anisotropia fracionada (AF)
Outro ponto importante do estudo é que ele revelou que as mudanças na substância branca mediavam parcialmente a ligação entre as adversidades na infância e os problemas cognitivos posteriores.
Em termos simples, isso quer dizer que parte do impacto negativo das experiências difíceis sobre a inteligência e o aprendizado acontece porque essas experiências atrapalham o desenvolvimento saudável das conexões no cérebro.
Esses achados reforçam a ideia de que o desenvolvimento da substância branca, que garante a comunicação entre diferentes áreas cerebrais, é crucial e acontece até antes da maturação completa da substância cinzenta, que é mais conhecida.

Por fim, o estudo também trouxe uma mensagem positiva: ele apontou que fatores de resiliência interpessoal, como o apoio de pessoas próximas, relações familiares positivas e outras fontes de suporte emocional, podem atuar como uma proteção para o cérebro em desenvolvimento.
Ou seja, mesmo em ambientes difíceis, o suporte social pode ajudar a preservar o crescimento saudável da substância branca e melhorar as perspectivas cognitivas das crianças.
LEIA MAIS:
Whole-brain white matter variation across childhood environments
Sofia Carozza, Isaiah Kletenik, Duncan Astle, Lee Schwamm and Amar Dhand
Proceedings of the National Academy of Sciences. 7 April 2025. 122 (15) e2409985122
DOI: 10.1073/pnas.2409985122
Abstract:
White matter develops over the course of childhood in an experience-dependent manner. However, its role in the relationship between the early environment and later cognition is unclear, in part due to focus on changes in specific gray matter regions. This study examines white matter differences across adolescents from diverse environments, evaluating both their extent throughout the brain and their contribution to cognitive outcomes. Using data from the Adolescent Brain Cognitive Development (ABCD) study (N = 9,082, female = 4,327), we found extensive cross-sectional associations with lower white matter fractional anisotropy (FA) and streamline count in the brains of 9- and 10-y-old children exposed to a range of experiences, including prenatal risk factors, interpersonal adversity, household economic deprivation, and neighborhood adversity. Lower values of FA were associated with later difficulties with mental arithmetic and receptive language. Furthermore, white matter FA partially mediated the detrimental relationship between adversity and cognition later in adolescence. These findings advance a white matter-based account of the neural and cognitive effects of adversity, which supports leading developmental theories that place interregional connectivity prior to gray matter maturation.
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